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Quem planta, colhe

Um dia de trabalho árduo na Horta Bons Frutos rende sorrisos, dedos calejados e aumenta a sensação de pertencimento da comunidade do Jardim São Manoel

O dia sempre começa cedo para o pessoal da Horta Bons Frutos, localizada na Rua Cel. Felíciano Narciso Bicudo, 434, no Jardim São Manoel, em Santos. Estamos no mutirão de abril, dia de trabalho duro, que reúne em volta dos canteiros, pessoas da comunidade e parceiros de outros projetos sociais em torno das atividades de plantio, colheita e preparação.

Os mutirões acontecem sempre no último sábado de cada mês. A chuva que caiu na madrugada deu lugar a um tempo nublado, com o céu cinza claro resistindo em dar passagem ao sol. Não demorou muito para que alguns teimosos raios solares atravessassem as nuvens e iluminassem as árvores, os canteiros e as estruturas de madeira e metal que cercam o ambiente. Uma linda maneira de saudar todos os voluntários que começam as atividades do dia.

Nos portões de entrada algumas pessoas, a maioria jovens, se preparam para os afazeres. Uma criança negra, trajando blusa azul e bermuda vermelha, empurra sobre um suporte de rodas, um grande tonel azul meio tampado. André Leandro, 49, líder da equipe, explica que o conteúdo é óleo de cozinha usado, recolhido pelo grupo e pronto para passar pela reciclagem.

Mais a frente, o trabalho coletivo no manejo da terra e das plantas exala um cheiro indescritível, com as notas de alecrim, almeirão, coentro e outros vegetais. Uma verdadeira salada de folhas, que pode ser sentida à distância.

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"Aqui eu sinto uma paz muito grande. Você esquece de ficar
pegando o celular, de olhar mensagem
".
- Adriana Mendes, jornalista

A Horta Bons Frutos é o avesso de uma monocultura. Por ali se planta e se colhe de tudo, de morango a banana, de couve manteiga a variados tipos de folhas e legumes. Basta pensar em um gênero de hortifruti e é quase certo que se pode achá-lo espalhado pelos canteiros. E se isso não for o bastante, ainda é possível dar de cara com as “pancs”, como são chamadas as plantas alimentícias não-convencionais, como a

taioba e o peixinho.

Compenetrados, os voluntários enchem o carrinho de mão com folhagens secas, aram a terra, plantam mudas, preparam a composteira e reviram o folhiço, um amontoado de matéria orgânica, composta predominantemente de folhas secas, que é usado para proteger as plantas do frio ou para ajudar no processo da compostagem. Com o sol, o folhiço armazena o calor e, ao revirá-lo, é possível ver a fumaça

saindo das folhas.

Trajando um boné do MST, a jornalista Adriana Mendes junta-se ao grupo com um sorriso contagiante. “Aqui eu sinto uma paz muito grande. Você esquece de ficar pegando celular, de olhar mensagem”, afirma, enquanto auxilia na recepção de novos voluntários. A alegria envolve a todos enquanto se reúnem perto da mesa preparada para o café da manhã. Cada um contribui com o que pode, desde pães até mesmo a salgados de polvilho e bolo caseiro. O que importa é colaborar e participar, seja ajudando a preparar o cafezinho que dá energia ou cortando os pedaços em fatias generosas.

Não só a jornalista sente o acolhimento do lugar, até um gatinho de  estimação fez do projeto a sua morada. Com vivos olhos verdes e pelagem amarelada, o bichano faz questão de se entrosar, circulando com desenvoltura entre os voluntários. Volta e meia rola pelo chão e limpa as patinhas de maneira preguiçosa como se aguardasse um afago.

Enquanto o gato brinca, a horta vai se refazendo em cores, cheiros e formas. Saem as pontas queimadas, as folhas ressecadas, os brotos envelhecidos. Só fica o que tem viço e cor, como o pé de carambola ainda longe de dar frutos, mas esbanjando cor e vitalidade, despertando lembranças, saudade e até lágrimas de Manoel Mauriz, um dos voluntários do mutirão de abril, que se emociona ao ver o pé evoluindo firme e saudável no solo fértil e bem cuidado da horta.

Ainda sem frutos, as árvores frutíferas são só mais um passo dado pela comunidade em direção de um crescimento ainda mais sustentável. Talvez, quem sabe, daqui a algum tempo o projeto possa oferecer além de hortaliças, algumas variedades de frutas para toda a comunidade do Jardim São Manoel e contribuir ainda mais com os projetos que se ramificam de lá.

O começo de tudo

Iniciada em 2014, com o apoio do Programa Guerreiros Sem Armas, a Bons Frutos é um empreendimento comunitário mantido pelos moradores do Jardim São Manoel, fruto de uma iniciativa do Instituto Elos em parceria com a CPFL, que cedeu o terreno onde uma de suas torres de transmissão está instalada.

A ideia partiu das mentes inquietas de Vilma Lúcia Novetti Barros, Creusa Machado e Hilda Costa, que agora realizam a manutenção do terreno em conjunto com a comunidade e trabalham para a produção de frutos e hortaliças. Antes, o local era um imenso terreno abandonado.

Vilma ironiza, dizendo que é capaz de ter algum corpo enterrado no terreno, pois o local era um ponto de descarte de entulho e lixo. Ela iniciou o preparo da área devagar, com poucos ajudantes no início. No entanto, o espaço hoje impulsiona outros projetos que têm como missão contribuir com a comunidade e preservar o meio ambiente.

 

É o caso do Composta e Cultiva e da Casa da Agricultura, que auxiliam os moradores da comunidade dando orientações mais técnicas sobre compostagem, vermicompostagem com folha de bananeira e reciclagem. Tem também o Óleo Noel, projeto que recolhe óleo de cozinha usado pelas ruas do bairro, que seria descartado irregularmente e o transforma em uma nova mercadoria: como sabão caseiro e WD, que além de outros usos, protege o metal contra a oxidação e corrosão.

Na Horta Bons Frutos o que floresce não é somente alimento para o corpo, mas também para a alma e para a mente. Um dos sonhos da equipe da horta é instalar uma sementeira, o que irá ajudar a baratear a produção, já que atualmente eles precisam pagar uma pessoa para ir a São Bernardo do Campo buscar as mudas para o plantio. 

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Dona Vilma, matriarca da horta

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A horta que dá frutos

Na Bons Frutos funcionam também outros projetos, como o Banco de Alimentos e Agricultura Urbana, a Horta Terapêutica, o Semente das Palafitas e o Coletivo Composta e Cultiva.

O Poder Público também dá uma força ao projeto. André Nascimento, contratado pela Secretaria do Meio Ambiente de Santos, trabalha no local em período integral e é uma espécie de “faz-tudo”. Aos sábados, ele doa seu tempo para auxiliar na manutenção do local, e nos demais dias da semana colabora com outros projetos, como o Banco de Alimentos e Agricultura Urbana, o Óleo Noel e a Horta Terapêutica, que acontece nas tardes de terça-feira, e conta com a participação de um grupo de aproximadamente 20 pessoas.

Nascimento também foi o responsável pelo curso de Transição Agroecológica, projeto que ensina como transformar uma horta convencional em uma horta saudável, sem a utilização de agrotóxicos e componentes danosos ao meio ambiente e à saúde. Curso que rendeu à Bons Frutos o Certificado de Transição Agroecológica em 2022, por ser uma horta que segue diretrizes e boas práticas agroambientais.

Segundo Nascimento, na Bons Frutos “tudo é possível, tudo é comercializável”. Para ele, qualquer pessoa pode dar um destino mais nobre para tudo o que gera, inclusive ao próprio trabalho, embora o projeto não tenha foco em vendas diretamente. Os voluntários também têm direito de levar um pouquinho de seu trabalho para casa.

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Aqui o negócio é compartilhar, afinal, quem planta, colhe. Temos muito disso por aqui".

André Nascimento, 49 anos.

Jovem guarda

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 "Aqui eu sinto um lar de paz, de calma. É melhor do que estar no meio da rua. Prefiro estar aqui hoje do que jogando pedra no canal".
- Fausto Victor, 15 anos

Fausto Victor, de 15 anos, é um dos mais engajados da turma. Trazido pelo primo, que se distanciou do projeto por motivos particulares, ele é voluntário há cinco anos e brinca ao dizer que é conhecido por todos como “o menino do óleo”. Entusiasmado, alegre e esforçado, Fausto é incansável. Entrevista novos voluntários, organiza a composteira, retira partes do folhiço, espalha água de fumo nas plantas para afastar insetos e brinca com seus colegas.  O adolescente revela um espírito frenético, sempre com terra úmida grudada nos sapatos.

Outro adolescente, Gabriel, 13 anos, também participa ativamente. "Venho aqui mais aos sábados e ajudo a Dona Vilma a arrumar os canteiros e colaboro na compostagem. Hoje estamos no mutirão e eu amo trabalhar aqui. Conheci a horta através do André”, conta. 

A verdade é que a Horta Bons Frutos se transformou em um refúgio para muitos meninos e meninas com energia e tempo de sobra, seja ajudando com os canteiros, com o folhiço ou na compostagem. O importante para todos esses jovens é que mantenham a mente e o corpo ocupados, e na horta isso se torna uma deliciosa realidade.

Horta Bons Frutos

Horta Bons Frutos

Os frutos

| Ao longo de nove anos a horta Bons Frutos se diversificou, dando origem a outros projetos:

BANCO DE ALIMENTOS E AGRICULTURA URBANA (BA-AU)

O projeto BA-AU, coordenado por Renato Prado e André Leandro, conta também com uma equipe pluridisciplinar, com foco na comunicação e gestão, a fim de proporcionar um apoio às organizações parceiras, empoderando-as, com conhecimento, informações, técnicas, além de alguns recursos financeiros.

ÓLEO NOEL

O Projeto Óleo Noel coleta óleo de cozinha usado, que é convertido em novos produtos, como sabão e WD, muito usado para reparos e mecânica. O óleo coletado é tratado e volta ao mercado na forma de resina, ração, asfalto ecológico, desengripante ou biodiesel. Os rendimentos são parcialmente repartidos entre os colaboradores e ainda fortalecem outras iniciativas sociais.

SEMENTES DAS PALAFITAS

O Sementes das Palafitas distribui duas vezes por semana, às segundas e quartas-feiras,  cerca de 300 refeições a pessoas em situação de vulnerabilidade e ainda conta com programação cultural infantil uma vez por semana (cinema/teatro/jogos). Promove também a doação de alimentos às famílias mais carentes do bairro. 

COMPOSTA E CULTIVA

Realizado na Estação Cidadania de Santos, em colaboração com a ConCidadania, incentiva propostas inovadoras para uma  economia circular, chamando a atenção para responsabilidade ambiental, consciência ambiental e participação cidadã e popular.

 

COMO AJUDAR?

A Horta Bons Frutos funciona diariamente das 10h às 12h e das 14h às 16h. Os contatos podem ser feitos pelo  Instagram: @hortabonsfrutos_ ou diretamente no endereço R. Cel. Felíciano Narciso Bicudo, 434, no Jardim São Manoel.

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Ágata Ferreira
Redatora

Maria Vitória Ferreira
Fotógrafa

Eduarda Antunes
Pesquisadora

Nicolly Placida
Designer

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