a filha não foge à luta
Por força do ofício, Fernanda Ligabue já teve que se embrenhar na mata
em chamas, chafurdar em lama tóxica e lidar com capangas armados.
Texto: Matheus Vargas, Milena Tupinambá e Myriã Pedron
Existe uma frase muito comum entre os ativistas socioambientais, na qual se diz que “não herdamos a terra de nossos pais, mas a pegamos de empréstimo de nossos filhos”. O ditado de origem indigena, basicamente, explica que temos de cuidar do meio ambiente para que as próximas gerações tenham o que preservar. E, claramente, Fernanda Ligabue segue essa linha de pensamento.
Imagem: Internet
Graduada no curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo, a documentarista, fotógrafa e videomaker já produziu vários trabalhos tendo como temáticas a questão ambiental ou as causas indígenas, como ‘Tapajós em Transe’ (Agência Pública), ‘O Retorno da Terra Tupinambá’ (Repórter Brasil), ‘Segure a Linha’ (Greenpeace Brasil) e ‘Floresta Iluminada’ (Instituto Socioambiental).
Em seu currículo, também constam serviços como realizadora audiovisual e diretora de fotografia na produtora ‘Filmes para Bailar’, e pesquisadora na produtora independente ‘O2 Filmes’, incluindo a filmagem de ‘Cidade de Deus’, um dos maiores clássicos do cinema nacional, dirigido por Fernando Meirelles e vencedor do Prêmio de Melhor Montagem no BAFTA (o Oscar Inglês).
Fernanda Ligabue acompanhando manifestação indígena
Atualmente, Fernanda atua como freelancer para veículos da mídia independente, organizações não-governamentais e para grupos de defesa dos direitos humanos ou ligados a questões socioambientais.
Imagem: Estúdio Fluxo
Documentarista, fotógrafa e videomaker há 10 anos, Fernanda se descobriu militante ainda na infância.
Filha de repórter, a videoativista cresceu em meio às rotineiras apurações de uma redação. “Meu pai é dono de um jornal familiar, com circulação semanal, chamado Gazeta de Vargem Grande”, contou, com um sorriso no rosto, dominado por um sentimento nostálgico. “Minha irmã e eu trabalhávamos lá quando crianças. Eu costumava ligar para as delegacias de polícia em busca de novidades e, também, fotografando coisas que aconteciam pela cidade.”
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Fernanda poderia colecionar cartões postais se quisesse. Porque seu trabalho já a fez visitar quase todos os estados brasileiros e países longínquos. Seu lugar favorito nos momentos de lazer continua sendo qualquer um que fique perto da praia e a possibilite passar um tempo com a família.
Com espírito aventureiro, Fernanda já visitou uma comunidade de mulheres tecelãs e até nadou com tubarões no Oceano Índico, mas foi em 2019 que um dos episódios mais emblemáticos de sua carreira começou. Foi quando precisou cobrir, até meados de 2020, as queimadas que afetaram o Cerrado e a Floresta Amazônica:
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“Estive perto do desastre por dois anos. Na Amazônia, por exemplo, foi bem traumático, porque acessei uma área onde havia uma APP (Área de Preservação Permanente) que estava em chamas por mais de uma semana e não tinha bombeiros ou caminhão-pipa para ajudar. As pessoas estavam combatendo o incêndio com as próprias mãos e baldinhos de água”.
Para ela, participar daquilo tudo foi muito pesado. E devido a isso, ela ainda consegue lembrar das casas pegando fogo, e a fumaça invadindo não só os espaços da floresta, mas suas narinas e olhos.
“Por isso o trabalho do documentarista é importante, entende? Nós registramos coisas muito relevantes. Levamos imagens até as pessoas. Tornamos esses acontecimentos acessíveis, de conhecimento geral. E no caso das queimadas, em particular, divulgamos o quanto o nosso país é violento”, explica.
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Quando questionada se às vezes sente medo, ela respondeu sem rodeios com um “sim”, e complementou usando outras de suas missões para justificar tal sentimento: “Já filmei mineração em terra indigena. Já tive de andar na lama por dez dias, acompanhando o desastre de Brumadinho e os corpos que iam sendo encontrados. E até já estive próxima de capangas armados em fazendas.”
“quando se vai para lugares desconhecidos ou temos
de lidar com situações perigosas, é normal
sentirmos essa sensação.”
Fernanda Ligabue
Ela faz questão de se classificar como videoativista. “Porque quando filmo algo, penso em proteger a vida das pessoas e animais. Estou defendendo aquilo que acredito. O meu ponto de vista. Não acredito em neutralidade.”