top of page
ears-1452991_1920.jpg

agrotoxicamente incorreto

Quando o que é biologicamente saudável se torna cientificamente perigoso

Texto: Matheus Vargas, Milena Tupinambá e Myriã Pedron
Ilutrações: Kamilla Moraes 

Por sua vez, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)  levantou outro dado bastante alarmante: cada brasileiro consome cerca de sete litros desses defensivos agrícolas a cada ano. Ou seja, a saladinha da mamãe e a sopinha da vovó estão se transformando, de tempos em tempos, em puro veneno.

​

​

Quantas vezes você já escutou sua mãe insistindo na importância das hortaliças, legumes e verduras nas refeições? "Quanto mais verde estiver, melhor", recomenda a mãe, enquanto o filho faz o prato. "Você vai se arrepender tanto no futuro", resmunga, já sem esperança de ver o brocólis vencer a luta com a batata frita. Até que vem a voz da resignação: "É você quem sabe o que faz com sua própria saúde".

​

Educar o paladar e as escolhas dos mais novos, muitas vezes é um desafio e até uma questão de perseverança. Enfim, o objetivo aqui não é ironizar esses momentos, transformando-os em piada ou fazendo pouco caso deles e muito menos insinuar que as mães estão erradas, ao contrário.

​

​

É mais do que sabido que as hortaliças são ricas em vitaminas, fibras e minerais. Já os legumes e verduras esbanjam nutrientes, que auxiliam no funcionamento do organismo. Mas e se o que era para ser bom à nossa saúde ganha um efeito colateral perverso? Químicos, agrotóxicos e transgênicos estão colocando em xeque os benefícios de uma alimentação rica em hortaliças, legumes e frutas. E aí é quando o problema sai da mesa e vai para o campo.

​

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), desde 2009, no  governo Lula (PT), o Brasil já faz parte da lista dos países que mais consomem agrotóxicos no mundo.

​

​

Illustra_4-removebg-preview.png

Na lista, o pimentão é composto por 89% de agrotóxicos. Logo atrás dele  vem o morango, com 59% de sua essência transmutada; seguido da alface, 43%; depois o pepino, 41%; a cenoura, 33%; e, por fim, o tomate com 12%.

​

Mas de acordo com uma notícia publicada pela Organomix+, em 2013, a maçã supera a alface, desbancando-o do top 3 com os 55% de resíduos presentes na fruta. Onde cerca de 6% da toxicidade obtida nas lavouras conseguem chegar até a polpa do alimento. 

​

"Simplificadamente, podemos dizer que os agrotóxicos são

produtos químicos que, a priori, são utilizados para

controlar e combater a proliferação de pragas, ervas daninhas e possíveis doenças associadas ao cultivo de determinadas culturas agrícolas ou não agrícolas", diz o jornalista ambiental Wilson da Costa Bueno, que explica que nem tudo é mil maravilhas.

​

O uso intensivo de pesticidas e outros produtos empregados na agricultura, muitos deles proibidos no exterior, traz, como consequência, problemas graves ao meio ambiente e à saúde da população. Tanto aos trabalhadores rurais, como aos consumidores em geral. Bueno alerta que o uso abusivo, sem inspeção ou orientação adequada, estimulado pelas empresas agroquímicas, com seu lobby poderoso, provoca milhares de mortes e doenças graves, além de devastar o meio ambiente.

 

O ambientalista aponta outro problema que agrava os riscos no manejo desses pesticidas: cerca de 16% dos produtores que usam agrotóxicos em suas lavouras não sabem ler e, portanto, têm inclusive dificuldade para saber o que está escrito nos rótulos dos produtos, o que não permite que eles se protejam dos seus efeitos tóxicos.

​

Segundo o pesquisador, se considerarmos a maioria dos estabelecimentos agropecuários brasileiros, chegaremos facilmente à conclusão (dados do Censo do IBGE, de 2017) de que menos de 40% dos produtores têm orientação técnica adequada para a utilização desses defensivos. E os dados são mais dramáticos quando se leva em conta as pequenas propriedades (menos de 5 hectares) em que essa porcentagem se reduz praticamente à metade (23%).

Para ser aprovado, um defensivo precisa ter parecer favorável do Ministério do Meio Ambiente (especificamente do Ibama), outro do Ministério da Saúde (emitido pela Anvisa) e outro pelo Ministério da Agricultura (da Secretaria da Defesa Agropecuária).

​

"No atual governo, pela ação nefasta do ministro Ricardo Salles, que prega ‘deixar a boiada passar’, os prazos para aprovação têm sido reduzidos e muitos agrotóxicos aprovados por aqui são banidos em outros países, o que aumenta o impacto negativo destes produtos no meio ambiente e na saúde", acusa Bueno. Crítica fundamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, no início de 2019, publicou parecer no qual mostrava que, dentre os 450 agrotóxicos registrados no Brasil, apenas 52 são de baixa toxicidade.

 

A Anvisa ainda compartilhou a informação de que pesticidas proibidos na China, Estados Unidos e na União Europeia acabam vindo para cá.

Illustra_1-removebg-preview.png

Em contrapartida, a Syngenta, grupo que une as principais empresas agroquímicas do mundo, possui uma pesquisa com resultados completamente opostos aos da Anvisa. De acordo com esse grupo de desenvolvimento tecnológico do mercado agrícola, “o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo e conta com 65 milhões de hectares destinados à agricultura”. Para a Syngenta, considerando o total de área plantada, o volume de defensivos agrícolas utilizados no país é menor do que muitas nações desenvolvidas, como França, Japão e Estados Unidos. 

​

​

​

Presente em mais de 90 países, a Syngenta garante que “se compararmos o volume de agrotóxico utilizado em nosso país (Brasil) com o volume de produtos agrícolas gerados, também vamos chegar à conclusão de que estamos longe do topo do ranking.” Para corroborar suas falas, a organização apresenta em seu site oficial um gráfico em que os brasileiros aparecem no décimo terceiro lugar como os maiores consumidores de pesticidas no mundo. Perdendo para outras 12 potências como Japão, Coreia, Itália, Alemanha. 

​

Contrário a todo o tipo de pensamento que considera agrotoxicamente incorreto, Bueno entrega a justificativa maior das empresas agroquímicas e seus defensores: "Eles dizem que os biocidas aumentam a produtividade e que, portanto, sem a sua utilização, seria impossível obter uma produção em larga escala."

​

O jornalista contesta essa tese, alegando que é possível implementar boas práticas com o uso racional dos agrotóxicos e, inclusive, com a utilização de tecnologias alternativas, como a agroecologia, especialmente para a produção de alimentos de maior consumo. “Se houvesse investimentos significativos na produção agrícola sustentável, com certeza aumentaríamos a oferta de produtos orgânicos e reduziríamos drasticamente os prejuízos ao meio ambiente e à saúde." 

​

Para Bueno, a agroecologia — ciência e prática interdisciplinar que concilia o conhecimento científico e o saber popular — é uma alternativa importante à agricultura baseada em produtos agroquímicos. Ela está comprometida com a produção agrícola sustentável e promove a utilização de sistemas agroflorestais, ou seja, compartilha, num mesmo espaço, as espécies agrícolas e florestais, com o objetivo de preservar a agrobiodiversidade, conservar as nascentes dos cursos de água e reduzir drasticamente a erosão do solo.

​

O método não utiliza agrotóxicos e transgênicos na produção, se valendo de adubos orgânicos e de medidas também naturais de prevenção contra as pragas. "Estudos têm demonstrado que a agroecologia, aplicada de maneira adequada, garante excelente produtividade e, ao mesmo tempo, promove a saúde e a preservação do meio ambiente", ressalta.

Imagem: Pexels
pexels-tim-mossholder-974314.jpg
O Brasil tem 450 agrotóxicos registrados, mas apenas 52 são de baixa toxicidade.

Regionalmente envenenada

 

De acordo com pesquisa do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (o Sisagua), de abril de 2019, os vários produtos químicos usados na agricultura vêm afetando o litoral de São Paulo significativamente.

 

Com uma população de cerca de 1,8 milhão de moradores fixos, cinco cidades da região estariam contaminadas. Nos mananciais de Santos, Guarujá, Bertioga, Cubatão e Peruíbe foram encontrados 27 tipos de agrotóxicos, sendo que 11 deles apresentam associação a defeitos congênitos, distúrbios endócrinos e doenças crônicas, como câncer.

​

Equivalente a uma taxa de ocupação de 55,5% de todo o espaço paulista situado à beira-mar, os munícipes dessas cinco cidades correm perigo. Na água distribuída para a população de Santos, por exemplo, foi detectado o Alaclor, um composto que ao ser ingerido pode causar náuseas, vômitos e enjoos. E em casos mais críticos, a pessoa pode entrar em coma, segundo a classificação realizada pela União Europeia,  onde seu uso é proibido.  

​

O cenário é mais grave em Guarujá.  Afinal, nove dos 27 agrotóxicos encontrados na água de lá ultrapassam o limite considerado seguro pela União Europeia, como o Aldicarbe, Glifosato e Terbufós. Fora o Diuron, Permetrina, Carbendazim, Molinato e o Endrin.

​

Nas outras cidades, a situação é igualmente alarmante. A água cubatense tem índices de Glifosato que excedem os limites europeus. E em Peruíbe, quatro tipos de biocidas superaram a média normal. Contudo, Bertioga tem todas as porcentagens de segurança respeitadas, sendo o único local onde as regras estão sendo relativamente seguidas.

​

Quando a pesquisa foi divulgada, a Sabesp emitiu uma nota afirmando que “a água fornecida à população não está contaminada e que a qualidade da água distribuída pela empresa obedece aos parâmetros definidos pelo Ministério da Saúde".

​

A companhia de saneamento informou ainda que são realizados 90 tipos de testes e mais de 90 mil análises mensais que aferem turbidez, cor, cloro, coliformes totais, metais, agrotóxicos, dentre outros itens.

Illustra_2-removebg-preview.png

C.S.I – Cuidados para a Saúde (Indispensáveis)

​

Os alimentos orgânicos são mais caros do que os convencionais, isso é fato. E muitas pessoas não são capazes de bancar esse estilo de vida. Mas segundo a nutricionista Margrethe Macedo, existe uma solução para minimizar a presença de resquícios dos defensivos agrícolas nos alimentos:

 

“Deixar o produto de molho em água misturada com bicarbonato de sódio ou água sanitária elimina grande parte dos agrotóxicos. Basta apenas um litro de água filtrada e uma colher de sopa de bicarbonato de sódio ou uma colher de café de água sanitária. Depois, é só deixar as frutas, hortaliças e legumes de molho por pelo menos 15 minutos; lavar em água corrente e armazenar.”

Margrethe afirma que os altos níveis de exposição a estas substâncias estão associados a alterações no sistema reprodutivo, como cânceres de mama e de testículo, endometriose, puberdade precoce, aborto e infertilidade.

 

Os agrotóxicos também estão relacionados a problemas de obesidade, distúrbios comportamentais, doenças autoimunes, mutagenicidade, reações alérgicas, neurotoxicidade e distúrbios respiratórios, cardíacos e pulmonares.  

​

Illustra_3-removebg-preview.png
“Ainda faltam muitos dados
sobre os malefícios dos
agrotóxicos. COMO, TAMBÉM,
SUAS DOSAGEnS E FREQUÊNCIAS”


Margrethe Macedo

COMPRANDO MAIS UNS MINUTOS DE VIDA

A Feira Orgânica de Santos, que está prestes a completar seu décimo aniversário de funcionamento,  tem como principal intuito trazer aos moradores uma melhor qualidade de alimentação, além de propiciar um espaço de comercialização para pequenos produtores rurais.

​

O engenheiro agrônomo Paulo Marco de Campos Gonçalves recorda que propôs à Prefeitura a realização da feira depois de visitar iniciativas semelhantes, como a do bairro da Água Branca, em São Paulo. Ele também teve a oportunidade de conhecer uma fazenda de produção orgânica do Canadá e se entusiasmou com a ideia.

​

“A nossa feira traz geração de renda aos pequenos agricultores e evita que as pessoas continuem se envenenando com os agrotóxicos e, posteriormente, gastem com remédios”, diz Gonçalves. 

​

A feira, que é realizada atualmente aos sábados na praça da Estação da Cidadania, na avenida Ana Costa, e as terças-feiras no Orquidário Municipal, comercializa  hortifrutigranjeiros, chocolates, temperos, chás, cereais, bolos, sucos, farináceos e biscoitos, além das PANCs (Plantas Alimentícias não Convencionais).

​

Em Mongaguá, os moradores contam com a Feira do Produtor Rural, que comemorou seu terceiro aniversário em janeiro deste ano. De acordo com a Secretaria de Comunicação da cidade, o projeto é fruto de uma parceria entre a Prefeitura e os agricultores familiares locais e regionais. A feira é realizada às terças e sextas-feiras, das 8 às 14 horas, em frente ao Ginásio Jacozão, na Avenida São Paulo, 1800.

​

Em Peruíbe, os residentes também podem comprar produtos orgânicos na Avenida Padre Anchieta, s/nº.

​

Já os vicentinos podem se considerar os mais sortudos da Região, pois São Vicente possui duas feiras orgânicas em seu mapa. Ambas tendo vendedores regularizados, com suas mercadorias certificadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Fornecendo ao cliente o acesso a produtos de extrema qualidade e segurança.

​

Uma das feiras acontece no bairro Itararé, todas as quartas-feiras, das 8h às 13h. Já a outra, todas às sextas-feiras, das 9h às 13h, no Parque Cultural Vila de São Vicente, situado na Praça João Pessoa s/nº, Centro.

A madrasta má até pode ter morrido, porém a Branca de Neve ainda sofre com o fato de que suas maçãs continuam sendo envenenadas. Não por magia negra, mas por agrotóxicos.
bottom of page