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pequeno trovão

O cacique Ronildo Amandios é uma das vozes indígenas da Baixada Santista,
que segue na luta diária para que seu povo seja ouvido e reconhecido.

Bárbara Silva, Giulia Arduin e Larissa Barbosa

"O Guarani já nasce lutando", diz o cacique Ronildo Amandios, com simplicidade e um sorriso no rosto, sabendo que existir por si só já é um ato de resistência. Afinal, a luta está em seu sangue. Não é à toa que guarani é sinônimo de guerreiro. Isso diz muito sobre o passado que seus ancestrais tiveram de enfrentar para que ele chegasse onde está atualmente.

 

Diferentemente do que se aprende nos livros de História, não foi Pedro Álvares Cabral que descobriu o Brasil em 1500. Cerca de três milhões de indígenas habitavam Pindorama, ‘terra das palmeiras”, como era chamado o país pelos habitantes originais. Mas seu território foi tomado. A civilização cresceu e o contingente indígena diminuiu de forma expressiva. O extenso verde deu lugar ao concreto frio e a grandes arranha-céus. E hoje, a luta continua. 

Ronildo, ou melhor, Werá Mirim, seu nome guarani que carrega com orgulho, faz parte dessa batalha. Ainda que parte do seu nome, Mirim, carregue o significado de "pequeno", ele não é nada disso. Werá, que na língua indígena é "trovão", pode representá-lo melhor. Afinal, o cacique está presente em todas as lutas pela preservação da terra de seu povo, e milita ativamente pelos seus direitos. 

Assim como o trovão faz barulho, o guerreiro Guarani se faz ser ouvido.

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Vindo do Paraná ainda pequeno, por volta dos 7 anos de idade, ele morou em diversas aldeias, como a Teporã, em São Bernardo do Campo. Já em 2004, seu tio, o pajé da aldeia, foi para o bairro do Japuí em São Vicente e, por meio de um acordo com a Justiça, retomou a articulação indígena de Paranapuã. O local foi indicado ao pajé por Nhamderu, a divindade criadora de todas as coisas.

 

Ainda assim, a posse dos 901 hectares de terra é do estado. Elas foram concedidas aos indígenas que hoje vivem lá, mas não foram demarcadas, e seus habitantes vivem sob constante fiscalização.  

Foto: Arquivo pessoal
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Desde essa época ele se engaja em lutas sociais. Werá Mirim acostumou-se a sentir na pele o preconceito que há não só quando ele está resistindo, mas pacificamente coexistindo no mundo. Enfrentar o preconceito faz parte do cotidiano dos indígenas. 

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Werá Mirim observa os olhares recriminadores quando ele sai da aldeia usando o jenipapo, pintura tradicional indígena utilizada no rosto e em todo o corpo.   

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Foi observando essa realidade que ele decidiu que acatar silenciosamente nunca iria ser uma solução. O cacique viaja frequentemente para manifestações das mais diversas, mas também se tornou engajado na militância online. Por meio de postagens, lives e fotos, ele leva conscientização das agressões que os indígenas sofrem diariamente. 

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Uma das conquistas mais recentes de Ronildo é a condenação de um humorista por uma “piada” preconceituosa associada com a sua imagem. O condenado em questão utilizou a foto do cacique em tom jocoso para falar sobre as vestes típicas indígenas, e ainda escreveu “Alguém dá um espelho para esse índio, para ele parar de chorar” (sic). Em decisão emitida em 26 de maio, foi determinado que o humorista deverá pagar R$20 mil reais. 

 

Quando fala do tratamento desrespeitoso que a sociedade impõe aos indígenas, ele se lembra particularmente de uma viagem para Brasília quando tinha 17 anos.

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“Nós estávamos no ônibus, quase entrando no Distrito Federal, quando fomos parados pela polícia. Todo mundo com arma, e mandaram a gente descer. Perguntaram quem era o pajé que estava com a gente, e ele desceu do ônibus também. Ele não falava muito bem português, então só ficou ouvindo as perguntas deles. Eles ficaram nervosos e bateram no cachimbo dele, jogaram no chão, chutaram, pisaram", conta.

"A gente ficou preocupado, mas meu pai disse para ficarmos tranquilos, que era nhamderu protegendo a gente."

O cacique recorda que durante a abordagem policial começou a escurecer muito rapidamente. Em seguida veio uma chuva forte, ventos e relâmpagos. 

 

“A gente ficou preocupado, mas meu pai disse pra ficarmos tranquilos, que era Nhamderu protegendo a gente. Por fim, os policiais se assustaram com a mudança do tempo e foram embora”, conta. Para ele, Nhamderu esteve presente mais uma vez para guiá-los e defendê-los. 

GUARDIÃO DA NATUREZA

“A relação do indígena com a natureza é de mãe e filho. Porque a natureza nos fornece o que a gente precisa. É uma relação de amor mesmo, de cuidado. Mas infelizmente o povo indígena em algum momento é considerado também invasor”.  

A aldeia Paranapuã está localizada no Parque Estadual Xixová. Em 2010, houve um plano de manejo realizado pelo governo estadual, que visava melhorar as condições de recuperação da Mata Atlântica restante no litoral paulista. No entanto, isso representou ainda mais entraves para os membros da aldeia.

 

“A relação do indígena com a natureza é de mãe e filho. Porque a natureza nos fornece o que a gente precisa. É uma relação de amor mesmo, de cuidado. Mas infelizmente o povo indígena em algum momento é considerado também invasor”.  

Burocracias acabam por se tornar maiores do que as necessidades da comunidade. Eles desejam ter uma plantação para a sua própria subsistência, para que não dependam de doações. Mas qualquer alteração nas terras necessita da aprovação das autoridades.  

Uma horta suspensa está nos planos de Ronildo, para que eles possam ter sua independência. “A gente busca algumas parcerias, como um engenheiro agrônomo que possa nos ensinar a fazer uma horta suspensa, que já vai nos ajudar bastante”, explica.   

 

COMO É A ALDEIA

Quem chega ao parque estadual Xixová-Japuí com a intenção de visitar a aldeia precisa antes passar na administração do parque. Lá, são apresentados os documentos e a justificativa da presença. Dependendo da motivação, é necessário contatar até mesmo a Funai pedindo autorização. Por conta da pandemia da covid-19, a visitação é restrita a apenas três pessoas. 

 

A trilha até a aldeia é estreita, próxima a um barranco que dá vista à praia de Paranapuã, de areia escura e limpa. Isso porque  a comunidade indígena faz diariamente a limpeza do local, além do caminhão de coleta enviado semanalmente pela Prefeitura. A maré costuma trazer muito lixo para o entorno do parque. "Isso tem preocupado bastante a comunidade, porque traz muitas garrafas, que quebram e acabam machucando o pé das crianças, isso já aconteceu”, relata o líder.

 

Foto: Arquivo pessoal
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A aldeia tem atualmente 22 famílias morando em pequenas casas.  Crianças correm brincando pela terra em meio aos cachorros e galinhas, que circulam livremente. Algumas olham com curiosidade na direção dos visitantes, e saem correndo e rindo e acenando quando avistadas.  

 

As casas são simples, de bambu e palha. Uma delas é a escolinha das crianças, onde elas têm o primeiro contato com a Língua Portuguesa aos 7 anos.  

 

Em frente à escola, Werá mostra a horta que os membros da aldeia cultivam atualmente. 

Ali já foram plantados banana, batata doce e amendoim. Mas ainda assim, o solo não é fértil. Para a enteada de Ronildo e uma das lideranças da aldeia, Pará Potã (ou Eliane, como é chamada em português), a dificuldade de plantar alimentos se deve por conta da areia no local.  

 

Um dos projetos do cacique é reflorestar a aldeia com árvores frutíferas: “Tem muitos pássaros e macacos por aqui que precisam se alimentar. Quando eles não têm, vão para a casa das pessoas em busca de comida”.  

A reportagem da Viral visitou a aldeia indígena Paranapuã e conheceu pessoalmente a morada de Ronildo Amandios. O documentário aborda a história e a luta do Cacique em defesa da aldeia e dos direitos das populações indígenas.

A LUTA EM BRASÍLIA

Foto: Arquivo pessoal
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Werá Mirim em Brasília. Junto de outras lideranças indígenas, ele esteve presente em atos pacíficos contrários à PL 490, e foi intimidado pela polícia, que utilizou bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo.

Ronildo e outros integrantes da aldeia Paranapuã viajaram a Brasília para uma manifestação em 12 de junho. Pará Potã garante que Werá Mirim tornou-se uma liderança, inclusive para outras aldeias, exatamente por estar sempre presente nas lutas em defesa dos indígenas. “Ele é justo, se preocupa com todos, está sempre tentando ajudar”, diz Pará Potã.

No dia anterior, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento da PL 490, que iria determinar os conceitos de terra tradicionalmente ocupadas por indígenas e a tese do marco temporal.  

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Segundo essa tese, povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia em que a Constituição Brasileira entrou em vigor, 5 de outubro de 1988. Assim, mesmo com provas históricas de que as terras haviam sido ocupadas pelos antepassados daquele povo, a tese defendida por ruralistas é de que os índios não teriam mais direito sobre elas. Já os povos indígenas defendem o direito à sua terra originária, previsto no texto constitucional na demarcação de terras pela União. 

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