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SEMEAR E COLHER

Como Carla Aparecida, ex-lojista e atual agricultora familiar, conseguiu deixar de lado a vida na cidade grande e focar na busca da sua paz interior, cultivando produtos orgânicos

João Hiroshi, Lívia Abreu, Victor Rodrigues e Marcela Rodrigues.

Todos os dias, às 5h30, quando o galo começa a cantar, Carla, André e dona Laura já estão regando as hortaliças e dando bom dia às galinhas, gansos, bezerros e toda a natureza do sítio Arara Dourada, na cidade de Miracatu, no Vale do Ribeira. Essa rotina começou quando Carla e o seu marido, André, chegaram ao limite do cansaço na selva de pedra, mais conhecida como capital paulista.

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Ela santista e ele paulistano, atuavam no ramo de confecção e distribuição de roupas em shoppings durante 30 anos de suas vidas. A grande mudança veio quando a vida na capital parou de fazer sentido para ela.

Foto: Acervo pessoal

"ERA UMA VIDA MUITO AGITADA, COM A COBRANÇA DE SEGUIR A PRÓXIMA TENDÊNCIA DA MODA, EM QUE AS DEMANDAS NÃO PARAVAM DE CHEGAR. TUDO ERA CANSATIVO, NÃO ESTAVA BACANA, E FOI AI QUE DECIDIMOS A MUDANÇA"

Carla Aparecida

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André e Carla realizados após a mudança que aumentou a qualidade de vida de ambos.

O COMEÇO DE TUDO

Na busca de uma qualidade de vida melhor e de dar espaço a uma paixão pela natureza que se tornou cada vez mais presente, Carla decidiu seguir o seu coração e voltar às origens da sua família, ao sítio que possuíam no Vale do Ribeira. Lugar em que o casal teria a oportunidade de se aprofundar em hábitos saudáveis, que já faziam parte da sua rotina, e transformá-los em seu ‘ganha pão’.

 

Antes de mudar de cidade, em 2018, Carla criou um site de venda de produtos orgânicos. Esse trabalho foi crescendo até que chegou a um ponto de ter que pedir ajuda ao seu companheiro, André, que ainda administrava a confecção de roupas. "Começamos a pensar em sair de São Paulo, o ambiente era muito estressante, comecei a enxergar essa possibilidade com o trabalho da Carla", afirma André de Carvalho Augusto, que hoje acompanha sua esposa na profissão.  

 

Com o aumento dos pedidos, a mãe de Carla, dona Laura, insistiu para que, ao invés de comprar de outros produtores para vender, eles começassem a cuidar da própria horta. “O sítio estava parado e eu estou aqui para dar uma força, porque não é fácil mexer com a terra. Tem que ter amor e carinho para ela render e dar suas recompensas”, diz dona Laura.

Foto: Carla Aparecida
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Laura Araújo, 73 anos, é uma das maiores incentivadoras

da Carla em sua nova vida como agricultora familiar.

O sítio, que já pertencia à família há mais de 26 anos, antes era utilizado apenas para lazer, mas hoje é o lar e o ambiente de trabalho dos três. Com 36 hectares, oito nascentes e com 89% de reserva ambiental compondo o projeto de sustentabilidade ‘Conexão Mata Atlântica’, o local virou o berço de uma produção de verduras, legumes e criação de animais.

 

Cada dia no sítio traz novas descobertas. Eles têm um colaborador, o seu Sérgio, que cuida do gado, mas também dá assistência em tudo que é solicitado.  “O dia rende até as 18h30, pois acordamos cedo para não ter o sol na cabeça e poder trabalharmos tranquilos. Depois que escurece vira um breu, não há iluminação no ambiente das hortaliças. Então acendemos a luz no curral e colocamos as galinhas pra dormir. É mais cansativo que a loja de roupas, mas tem uma enorme diferença, você trabalha com prazer e saúde”, afirma Carla.

A CONCRETIZAÇÃO DA MUDANÇA

Uma pergunta começou a provocar o casal: como iriam vender toda a produção? Assim surgiu a ideia de virarem feirantes. “Corremos atrás das feiras de orgânicos de Santos, procuramos a Secretaria do Meio Ambiente (Semam). Fomos aceitos no grupo, e estamos lá até hoje”, disse Carla.  

 

Jair Flaser, agricultor familiar que também passou por uma mudança de vida, saindo de Florianópolis - capital de Santa Catarina e indo morar em Suzano, região metropolitana de São Paulo, é um dos feirantes e parceiros de Carla. A relação dele com a dona do sítio e comerciante de orgânicos, além da proximidade das bancas na feira, é extremamente amistosa. 

"ELA É UMA PESSOA QUE AGREGA MUITO VALOR AO NOSSO GRUPO. É ALGO DISTANTE DE SER CONCORRÊNCIA, ELA FAZ COM QUE NOSSOMOVIMENTO SE DESENVOLVA, ALÉM DE SER UMA PESSOA LEVE, DIVERTIDA"

Jair Flaser

No sítio, as galinhas caipiras, gado e outros animais, não comem ração transgênica. Tudo é natural, mas Carla ainda está no processo para adquirir o selo orgânico, que tornará possível a venda dos ovos, leite, coco, banana, mexerica, laranja, limão, lichia entre outros. Atualmente, também começaram a cultivar shimeji e produzir temperos prontos.

A LUTA PARA MANTER UM TRABALHO ORGÂNICO

Mas toda mudança de vida também gera conflitos. Carla afirma que o atual desafio é tornar esse sonho mais rentável. “Ainda gera mais gastos do que lucro. Hoje a feira é o nosso ganha-pão, ela que coloca o dinheiro aqui dentro. Como a gente está há pouco tempo e começamos do zero, esse processo é transitório. É o tempo de a gente conseguir colocar no mercado o que estamos fazendo”, afirma Carla. 

 

Um dos gastos, por exemplo, é a certificadora IBD Certificações, que classifica o sítio com o selo de transição ecológica. Essa certificação custa por ano 6.500 reais e garante a avaliação dos produtos, o monitoramento de que não estão sendo utilizados agrotóxicos no cultivo. Esse selo é público e aparece no Mapa do Governo Federal através de uma geolocalização, que permite verificar, por exemplo, em qual bananal foi colhida a banana que o cliente irá comer. É possível acompanhar a horta e todo o trabalho do sítio. 

Foto: João Hiroshi
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Casal de agricultores, Carla e André, em sua barraca na Feira Orgânica de Santos

Além disso, a parte preservada do sítio não pode ser mexida. Nada fica nesses ambientes, que são separados com cercas. Também foram criados caminhos para os animais não contaminarem as nascentes de água.  “Nós fazemos parte do projeto de preservação Conexão Mata Atlântica, que dá toda a orientação de qual o nosso dever com essa vegetação. Para isso, temos a ajuda de quatro agrônomos do IBS - Instituto BioSistêmico”, explica Carla.  

 

A família também faz parte há dois anos do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que é um instrumento econômico que segue o princípio “protetor-recebedor”, ou seja, recompensa e incentiva aqueles que preservam florestas e outros recursos naturais, mesmo em áreas particulares.   

 

“Muita gente não teria saído do seu sítio, da sua roça, se o governo tivesse essa consciência e esses projetos há mais tempo.  Falta interesse para que o pequeno agricultor ‘vire gente’. Temos um trabalho absurdo para contarmos com um incentivo mínimo do governo, é uma cota minúscula do PSA. O dinheiro já entra para cobrir o que foi gasto e não para investimento, pois já colocamos muito dinheiro antes do incentivo chegar”, desabafa Carla sobre a realidade de muitos agricultores familiares.  

 

Ela afirma que o orgânico é viável, até mesmo em grande e larga escala, em contraposição às grandes indústrias químicas, que têm muito poder, fazem o lobby do veneno e visam demasiadamente o lucro.  “Não precisamos ir longe para comer bem. Quando as pessoas entenderem que os pequenos agricultores podem fornecer alimentos, a situação vai evoluir com mais velocidade. Muita gente abandonou a área rural por não saber o que fazer com a plantação”.  

UMA LIÇÃO DE ACOLHIMENTO E AFETO

Com o dilema logístico vivido por muitos produtores e clientes, tanto para a distribuição em pontos de venda quanto para a chegada dos orgânicos na mesa do consumidor, Carla enxerga que para obter uma solução, a solidariedade e o consumo consciente são indispensáveis. Pensando nisso, a agricultora e sua família integram uma iniciativa que favorece a comunidade das redondezas de onde vivem; a Rede Solidária de Peruíbe. 

 

O movimento consiste em um conjunto de agricultores do Vale do Ribeira, que por meio das redes sociais, apresentam os seus produtos. Após a chegada da pandemia, o fluxo de clientes diminuiu. Para sanar esse contratempo, o grupo se organiza para levar os produtos para as pessoas uma vez por semana. Antes disso, é divulgada uma lista dos produtos disponíveis. 

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“Temos muitas pessoas em situação de vulnerabilidade, então a gente também doa nossos produtos. Aqui pode faltar grana, mas comida não. A gente se ajuda muito. Temos PANCs (plantas alimentícias não convencionais), dois lagos de peixes, e como existem pessoas que não têm dinheiro nem para comer, cabe a nós ajudá-los na pandemia” 

"TEMOS MUITAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE, ENTÃO A GENTE TAMBÉM DOA NOSSOS PRODUTOS. AQUI PODE FALTAR GRANA, MAS COMIDA NÃO. A GENTE SE AJUDA MUITO. TEMOS PANCS (PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO CONVENCIONAIS), DOIS LAGOS DE PEIXES, E COMO EXISTEM PESSOAS QUE NÃO TEM DINHEIRO NEM PARA COMER, CABE A NÓS AJUDÁ-LOS NA PANDEMIA."

Carla Aparecida

Da vida conturbada de empresária do ramo têxtil para uma vida mais saudável e conectada à natureza, Carla se sente realizada, mas ainda mantém vivo um desejo: “Meu maior sonho é viver em um mundo onde as pessoas amem mais a natureza do que o dinheiro”.  

Carla Aparecida passou por uma mudança de vida completamente necessária para melhorar a sua qualidade de vida e de seu marido, André. Confira os detalhes no vídeo.
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