"cidade invisível" é ignorada pelas estatísticas sobre água e esgoto
A advertência é do pesquisador ambiental Renan Ribeiro,
que contesta os dados oficiais
06/2021
Foto: Acervo pessoal
“A situação de abastecimento de água na região é delicada. O risco de desabastecimento existe”
A situação de milhares de pessoas que vivem em áreas favelizadas é desconsiderada pelos órgãos públicos quando são anunciadas as estatísticas sobre o abastecimento de água e tratamento de esgoto em Santos. O alerta foi feito pelo biólogo Renan Braga Ribeiro, membro do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baixada Santista e professor da Universidade Santa Cecília (Unisanta).
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Em entrevista coletiva concedida aos alunos do primeiro ano de Jornalismo, Ribeiro falou também da gradativa elevação da maré e a possibilidade de inundação de áreas urbanizadas, dos impactos ambientais provocados pelas atividades portuárias e das deficiências na fiscalização ambiental, entre outros temas relacionados ao meio ambiente da região.
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O que faz um cientista ambiental?
O cientista ambiental trabalha estudando o meio ambiente e na resolução dos problemas ambientais diversos, esse profissional entende que esses problemas requerem abordagens integradas e interdisciplinares, sempre buscando a sustentabilidade, considerando não apenas o aspecto ambiental, mas também o social e econômico. Dentre as áreas de atuação e desafios a serem enfrentados por esses profissionais estão as mudanças climáticas, a gestão de recursos hídricos e de resíduos sólidos urbanos, degradação e recuperação de ecossistemas.
Órgãos de fiscalização, como Ibama, Cetesb, Polícia Ambiental e secretarias do Meio Ambiente possuem estrutura e articulação para combater as infrações ambientais na Baixada?
Não conheço a fundo a realidade dos órgãos de fiscalização ambiental da região, mas sei que alguns têm uma estrutura melhor e outros nem tanto. Entre os municípios, sei que a Secretaria do Meio Ambiente de Santos provavelmente está mais bem preparada do que outras cidades e, no âmbito estadual, a Cetesb fiscaliza muito bem e é referência para outros estados e até internacional. A questão é que parte dos licenciamentos ambientais estão sendo repassados da Cetesb para o poder municipal e aí a estrutura para garantir a fiscalização precisa ser reforçada.
Há também um problema de má gestão ambiental mesmo, que vem do governo federal, mas que se estende para outros níveis. Os investimentos em pessoal, equipamentos e nos recursos mínimos para a fiscalização ambiental estão sendo reduzidos no País. Quando não se tem dinheiro para colocar gasolina na viatura pra poder fazer uma diligência, a situação fica muito difícil.
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"A situação de abastecimento de
água na região é delicada.
O risco de desabastecimento existe"
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Em 2019, a Prefeitura de Nova York anunciou investimento de mais de 10 bilhões de dólares em infraestruturas de controle contra inundações no centro de Manhattan. Em Santos, também há pesquisas sobre a elevação da maré e o possível alagamento de alguns bairros. As autoridades municipais estão se mobilizando para evitar essa situação?
O avanço do mar aqui acontece de duas formas: por causa das ondas e do nível do mar. Naturalmente, esse nível do mar sobe e desce ao longo do dia por conta da maré e quando acontece uma ressaca, esse nível médio do mar aumenta ainda mais. Associado a esses fenômenos naturais temos a elevação do nível médio do mar causada pelas mudanças climáticas. Essa elevação do nível do mar afeta não só a orla da praia, mas também os bairros no interior do estuário, como os da Zona Noroeste ou o Jóquei Clube, em São Vicente, por exemplo.
Falando especificamente de Santos, foi anunciado o projeto “Santos Novos Tempos”, que vinha com a intenção de solucionar o problema das enchentes na Zona Noroeste, mas o município, por vários motivos, acabou por perder o financiamento para essas obras. Por conta disso, a Prefeitura continua buscando outros recursos, inclusive junto ao Comitê de Bacias, e instalou comportas em canais da Zona Noroeste, como o da avenida Jovino de Melo. Mas são ações pontuais e insuficientes, fazendo com que esses problemas ainda aconteçam sempre que há uma chuva mais forte e uma maré mais alta.
As ressacas em Santos tornaram-se um problema, causado pelo aumento do nível da maré e altura das ondas. Quais as iniciativas possíveis para barrar o avanço da maré e evitar a inundação e destruição de partes da orla da praia?
As ressacas sempre existiram, mas por conta do aumento do nível do mar elas têm se tornado mais frequentes e trazido mais impactos, principalmente na Ponta da Praia, onde ocorre um processo erosivo. O pessoal mais antigo lembra que jogava bola naquela faixa de areia em frente ao Aquário Municipal e hoje não há mais essa areia. Uma das alternativas para tentar proteger essa área seria tentar recompor a praia com sedimentos.
A Prefeitura de Santos construiu uma proteção submersa com sacos de areia, mas não posso afirmar se isso está dando certo, porque não tenho acompanhado . os resultados dessa medida. Mas o importante é recompor aqueles sedimentos, seja com essa barreira com sacos de areia, que teoricamente poderá permitir a recomposição ao longo do tempo, ou também com a recomposição direta com caminhões de areia, mas a erosão acaba sendo sempre maior do que a capacidade da Prefeitura de despejar a areia no local.
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"O resultado é que aquele trecho da praia perde mais sedimento do que recebe e, por isso, ocorre a gradativa diminuição da faixa da areia, que se estende da Ponta da Praia até a praia da Aparecida, entre os canais 5 e 6"
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Quais fatores prejudicam a qualidade das praias de Santos?
O esgoto doméstico é o que mais influencia a qualidade das praias da Baixada Santista. Essa qualidade é prejudicada principalmente pelas águas dos canais de drenagem, que deveriam escoar apenas as águas pluviais, ou seja, a água das chuvas, mas eles recebem material de ligações irregulares de esgoto ou mesmo podem receber o esgoto da rede por causa de fissuras nas tubulações, que são bem antigas.
Temos em Santos as comportas nos canais, que podem impedir a poluição das praias, mas quando há chuvas fortes não há como deixá-las fechadas, porque isso provocaria inundações das vias públicas. Quando as comportas são abertas, essa água de má qualidade vai para a praia.
Mas há outros fatores que podem refletir na balneabilidade, como por exemplo um acidente no porto, que lançasse uma grande quantidade de óleo no estuário. Portanto, a bandeira vermelha colocada pela Cetesb para indicar a má qualidade das praias está ligada à presença de esgoto. Entre as doenças de veiculação hídrica, a mais frequente é a gastrointestinal. A pessoa pode ter uma diarreia e achar que foi porque comeu um pastel estragado, mas pode ser que ela tenha engolido água do mar com excesso de coliformes fecais.
É possível que, em algum momento, as praias da região tornem-se totalmente impróprias para o banho devido ao lançamento de esgoto no estuário proveniente de áreas sem saneamento básico e pelo crescimento das ligações clandestinas de esgoto?
É possível sim. Se a rede coletora de esgoto não for reformada e evitadas as ligações clandestinas, as praias podem ficar sempre impróprias. A Praia do Perequê, em Guarujá, por exemplo, está sempre com a bandeira vermelha, porque há uma comunidade de pescadores que não conta com saneamento básico e isso contribui com o vazamento do esgoto diretamente para a praia. Uma outra praia que está sempre com bandeira vermelha é a do Gonzaguinha, em São Vicente, porque ali chega o esgoto das pessoas que vivem em palafitas e mesmo do Morro dos Barbosas, onde há moradias sem ligação à rede.
Enfim, a balneabilidade das praias pode ficar comprometida totalmente, mas tenho um pouco de esperança, acho que as coisas têm melhorado.
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"Em nosso litoral, os municípios
dependem economicamente do turismo e se eles não se preocuparem com a balneabilidade
das praias será um grande prejuízo para todos"
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O emissário submarino de Santos tem mais de 40 anos. Esse equipamento é realmente eficaz para evitar a poluição de nossas praias? Até quando ele terá capacidade de lançar os esgotos de Santos e São Vicente em alto-mar?
O sistema do emissário submarino é dividido em duas partes: uma delas é a Estação de Pré-condicionamento (EPC), que fica em terra e é responsável pela remoção de resíduos sólidos, o que não é o processo ideal, porque a matéria orgânica não passa por um tratamento propriamente dito.
Já o emissário submarino, que é aquela tubulação que fica no mar e lança os esgotos, apesar de ser bastante antigo, sofreu reformas relativamente recentes, cerca de dez anos atrás. Houve um prolongamento da tubulação e hoje ela tem 440 metros de extensão. Ao final, a tubulação dispõe de difusores, que são 79 orifícios que possibilitam a dispersão desse esgoto em alto-mar. Existem planos de crescimento desse sistema de saneamento para que o equipamento possa acompanhar o crescimento populacional.
Na minha visão, o emissário submarino não interfere diretamente na poluição das praias porque ele consegue promover a diluição adequada do esgoto. É lógico que o emissário submarino vai impactar a qualidade da água na Baía de Santos, mas não chega com alta concentração nas nossas praias, cuja qualidade é prejudicada principalmente pelos canais de drenagem. Enfim, creio que o emissário ainda não atingiu sua capacidade máxima e pode atender a cidade por alguns anos, mesmo com o aumento da população. O grande problema do emissário é que a carga de esgotos que ele lança não é tratada, não reduz a matéria orgânica, e isso traz prejuízos para a biota da Baía de Santos, mas não é um problema tão grande para balneabilidade das praias em si.
A Prefeitura de Santos aponta que o município abastece 100% da população com água tratada, 99,93% têm acesso à coleta de esgoto e que 97,64% do esgoto é tratado corretamente. Esses números são confiáveis, considerando que Santos ainda tem grandes áreas favelizadas?
Realmente esses são os dados divulgados oficialmente. Mas temos uma “cidade invisível”, ou seja, áreas do município que o Poder Público sabe da existência, mas quando apresenta esses dados desconsidera essa porção do território. Quando apresentam o número de pessoas atendidas pela rede de água, pela rede de esgoto, pela coleta regular ou pela coleta seletiva, eles levam em consideração somente as pessoas que vivem em áreas regularizadas. No entanto, se observarmos a população como um todo, esse número acaba sendo pior.
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"Algumas das regiões dessa “cidade invisível” são a do Rio dos Bugres, Jardim São Manoel e Dique da Vila Gilda, por exemplo, e representam quase 10% da população de Santos.É um número bastante expressivo"
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E quais as consequências para o meio ambiente? O lançamento do esgoto in natura diretamente no estuário vai fazer com que, no processo de degradação dessa matéria orgânica, haja consumo de oxigênio. Com a baixa do nível de oxigênio no mar, os peixes e outros seres marinhos não poderão sobreviver. Há ainda a questão da saúde pública, porque pode haver a transmissão de doenças de veiculação hídrica para quem se banha naquelas águas.
Sobre o índice de esgoto que é tratado, 97,64%, é importante dizer que ele é coletado e direcionado para a Estação de Pré- Condicionamento de Esgoto, que fica no bairro do José Menino. Esse esgoto passa por um pré-direcionamento e não efetivamente por um tratamento. A dispersão desse esgoto no mar não afeta as praias diretamente, mas acaba impactando a Baía de Santos. Do ponto de vista técnico, não se considera como tratamento de esgoto, embora a Sabesp e a Prefeitura informem que ele é tratado, o que não é a realidade.
O chamado sistema primário avançado, que promove a remoção de sólidos de grande tamanho e a aplicação de produtos químicos que removam os demais sedimentos, seria a solução mais adequada para o lançamento de esgotos em alto mar?
Sim, seria uma das soluções. Como a gente já tratou anteriormente, para que se remova a carga orgânica do esgoto que vai para o mar é necessário fazer o tratamento primário. Esse é o tratamento mínimo, a primeira coisa que deveria ser feita. Só que há o sistema primário avançado, que é um pouco melhor.
Algumas estações de tratamento de esgoto da região adotam o tratamento primário, como as de Humaitá e Samaritá, em São Vicente; outras duas em Cubatão e a de Vicente de Carvalho.
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"A maioria da população que vive em Santos e São Vicente é atendida pela Estação de Pré-Condicionamento, que não tem o tratamento primário. O ideal seria o tratamento secundário ou o tratamento terciário, que removem mais ainda a carga orgânica e outros contaminantes."
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Se hoje a gente não dispõe nem do primário, ele tem de acontecer para depois avançarmos para outros tratamentos mais eficazes, que podem retirar os chamados poluentes emergentes, como os fármacos, identificados em pesquisas em nossa rede de esgoto e que podem afetar a biota aquática. Por exemplo os anticoncepcionais e remédios para dor de cabeça que ingerimos. Até mesmo resíduos de cocaína foram encontrados na Baía de Santos em coleta realizada logo após o Carnaval.
Tivemos crise hídrica em São Paulo, o caso geosmina na água distribuída no Rio de Janeiro, causando mau cheiro e gosto ruim na água que saía das torneiras. Quais os mananciais responsáveis pelo abastecimento de água para consumo humano em Santos? Há algum risco de termos problemas de desabastecimento pela queda no nível dos nossos mananciais e piora na qualidade da água servida à população?
Sim, o risco de desabastecimento existe. Diferentemente da Grande São Paulo, que é abastecida por grandes reservatórios, nosso abastecimento utiliza a captação superficial de rios como o Cubatão, que estão no Parque Estadual da Serra do Mar, que é bem preservado. Essa vegetação protegida é como se fosse uma enorme caixa d´água que recebe a contribuição da chuva para o abastecimento desses rios. Em meses de maior chuva, temos maior abastecimento. Em meses com pouca chuva, o abastecimento cai.
Considero delicada a situação na Baixada Santista, pois não temos muitos reservatórios, como há em São Paulo. Por outro lado, temos a vantagem de que chove bastante em nossa região, mas dependemos muito do clima e da quantidade da população. Já o risco de piora na qualidade da água distribuída para consumo humano é pequeno, exatamente pela preservação da Serra do Mar.
Uma das alternativas energéticas para evitar impactos ao meio ambiente é o aproveitamento das ondas para a geração de energia. O senhor considera essa proposta viável para os municípios da Baixada Santista?
Entendo que não seria uma alternativa viável para a nossa região porque aqui as ondas maiores acontecem quando há fortes chuvas e ressacas do mar. Para um melhor aproveitamento, essas ondas maiores que geram mais energia precisariam ser mais constantes ao longo do ano. Um outro sistema que considero mais viável seria o aproveitamento do movimento das marés, que também pode gerar energia elétrica.
Qual a situação dos recursos pesqueiros da nossa região? A atividade pesqueira é sustentável ou corremos o risco de extinção de espécies marinhas e redução da produção do pescado devido a problemas ambientais e práticas inadequadas na captura de peixes?
Não existe uma atividade industrial pesqueira muito intensa em nossa região. Atualmente, a pesca é efetuada por algumas pequenas comunidades. A princípio, a atividade é sustentável, porém deve haver fiscalização para que sejam respeitados os períodos de defeso e evitar que problemas de contaminação da água possam comprometer a qualidade do pescado e até mesmo a reprodução das espécies.
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Em 2019, houve a retirada de mais de uma tonelada de lixo das águas do Rio Casqueiro. Quais as consequências dessa quantidade de lixo nos rios e quanto tempo seria necessário para recuperá-los?
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Não faço ideia de quanto tempo exatamente levaria para essa recuperação. Algumas coisas podem ser recuperadas em um tempo mais rápido, como a qualidade da água, mas se essa grande quantidade de lixo atinge a área dos manguezais e polui o sedimento, vai demorar muito mais tempo para se recuperar a qualidade desse trecho. O plástico, por exemplo, após o desgaste com o sol, chuva, vento etc acaba por soltar contaminantes prejudiciais para a nossa saúde.
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"É preciso que haja um programa de educação ambiental, de conscientização das pessoas sobre os malefícios dessa prática e também ações de coleta regular desses resíduos"
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Qual a importância do geoprocessamento no monitoramento de rios assoreados e matas ciliares devastadas?
O geoprocessamento é uma área em que atuo. Ele é importante no monitoramento das matas ciliares, que é a vegetação existente no entorno dos rios. Satélites possibilitam a visualização dessas áreas em fotos aéreas. Com o geoprocessamento é possível fazer o monitoramento de extensas áreas a cada cinco dias, sem a necessidade de estar em campo. O assoreamento dos rios é mais difícil monitorar por satélite, mas alguns satélites já têm tecnologia para medir a profundidade dos rios, embora ainda sem a precisão necessária. O geoprocessamento é o nosso futuro, seja por satélites ou mesmo por drones, que permitem o monitoramento das matas ciliares com mais detalhes.
Em Praia Grande são frequentes os alagamentos, mesmo em ruas pavimentadas. É o caso, por exemplo, da Avenida Paris, que foi recentemente revitalizada, e sofre com as enchentes. A Prefeitura anuncia que investiu dezenas de milhões de reais em obras de drenagem nos últimos três anos. Se há investimento nessa área, o que falta para sanar o problema dos alagamentos?
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Como membro do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baixada Santista, sou testemunha de que Praia Grande recebe muitos recursos; aliás é um dos municípios da região que mais toma recursos para obras de drenagem.
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"O problema existe, estamos em uma região baixa, daí o nome Baixada Santista, onde chove bastante, chuva intensa em um curto período de tempo. Portanto, apesar de todo esse investimento em drenagem, ainda vão acontecer problemas"
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É preciso trabalhar também no planejamento urbano para que a cidade cresça de forma ordenada. Isso implica em áreas verdes, regras de construção que prevejam áreas permeáveis e telhados verdes, incentivos governamentais para que as residências e comércios façam a captação da água da chuva. São maneiras de se reduzir esse volume de chuva que chega com alta intensidade de uma vez só na cidade. Portanto, é fundamental investir não só na infraestrutura, mas também no estímulo ao uso de tecnologias verdes, que diminuam essa carga de chuva no município.
O que o senhor sabe sobre a contaminação do lençol freático na Baixada Santista, seja pelo chorume dos cemitérios e dos lixões ou pelo rebaixamento do lençol pelas construções de edifícios?
Essa não é a minha especialidade, mas a gente sabe que existe essa contaminação por conta dos lixões, situação que foi alterada com a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Hoje não se admite mais os depósitos a céu aberto, sem qualquer cobertura. As cidades foram se adequando, embora a maioria, em âmbito nacional, ainda não esteja de acordo com essa política. Na nossa região, felizmente não temos mais lixões e sim uma área controlada, que é o aterro Sítio das Neves, onde há um sistema de impermeabilização do solo. Mas no passado tivemos o Lixão do Sambaiatuba, o Lixão da Alemoa e vários outros, inclusive depósitos de resíduos industriais na área continental de São Vicente e isso certamente acabou afetando o lençol freático.
Não consigo dizer como está o nível de contaminação, mas não há impacto na água potável porque não nos utilizamos desse lençol freático para abastecimento público. Não há estudos mais aprofundados a respeito, falta conhecimento. O Comitê da Bacia Hidrográfica da Baixada tem procurado entender melhor as águas subterrâneas, verificar se são mesmo salobras. A própria Cetesb, que é um órgão importante de fiscalização ambiental, não monitora a água subterrânea da nossa região.
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Quais os principais impactos das atividades portuárias no meio ambiente da cidade e o papel dos terminais privados nessa situação? E o que pode ser feito para minimizar esses impactos?
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São vários os impactos das operações portuárias. Um deles refere-se à poluição atmosférica, relacionado à emissão de poluentes pelos navios, que são movidos a combustível. Temos ainda a poluição do ar provocada pelos graneis sólidos, que atinge principalmente a Ponta da Praia. Há a poluição da água, relacionada muitas vezes à água de lastro dos navios, cuja legislação determina que esse descarte não aconteça em área próxima da costa, mas esse despejo irregular pode acontecer às vezes.
Outro problema são as operações de determinados produtos, como os pellets de plástico utilizados como matéria-prima, que podem cair no mar durante algumas operações. Outro impacto ambiental que pode ocorrer nas operações portuárias é o vazamento de óleo durante o abastecimento dos navios ou em casos de abalroamento. Enfim, são inúmeras as atividades portuárias com potencial de impacto ambiental.
Sei que os terminais estão tentando minimizar a poluição atmosférica. Já no abastecimento de combustíveis, os terminais procuram colocar barreiras de contenção ao redor para que o óleo fique retido na hipótese de um vazamento. A própria construção de um novo terminal no porto acarreta problemas ambientais, devido à supressão de vegetação.
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"É preciso monitorar a qualidade
do ar e da água durante as obras de expansão do porto e suas consequências na biota aquática"
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Outra situação é o impacto provocado pela dragagem, porque a região tem um passivo ambiental decorrente do lançamento de efluentes no estuário por indústrias de Cubatão quando havia pouco controle ambiental, pouca fiscalização. Esses contaminantes, metais pesados, acomodaram-se no estuário. A dragagem remove os sedimentos e esse material poluente que estava parado vai ficar suspenso novamente. É necessário citar ainda o fluxo de caminhões nas áreas portuárias e retroportuárias, que afetam a qualidade do ar. Enfim, é uma lista extensa e as empresas portuárias devem se preocupar em minimizar todos esses impactos.
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Na sua opinião, os impactos ambientais causados pela cava subaquática se justificam, tendo em vista o argumento de que o porto de Santos precisa ser mais competitivo e permitir a atracação de navios de maior porte?
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Acredito que não se justificam. A cava está localizada em um trecho do porto depois do canal de Piaçaguera, que é mais raso e muito contaminado pelas indústrias de Cubatão. Entendo que a cava não é a melhor solução do ponto de vista ambiental. Ele foi pensado apenas sob o ponto de vista econômico. Poderiam ser adotadas outras formas de deposição e disposição desse material, e até mesmo o tratamento desse material para depois ser realizada a deposição.
Sabemos que esse tipo de tratamento tem um custo alto. Preferiram fazer o mais barato, lançar o material altamente contaminado em um buraco ao lado. O local também é inadequado, porque existem outras áreas do porto que poderiam ser utilizadas em vez de impactar uma área já bastante comprometida.
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Há estudos sobre as possíveis consequências positivas da pandemia no meio ambiente, devido ao isolamento social e às demais restrições na circulação de pessoas e na interrupção das atividades comerciais?
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Acho difícil ter alguma coisa positiva na pandemia, mas pensando pelo lado positivo, podemos dizer que, em termos ambientais, o que se comprovou foi a redução da emissão de gases de efeito estufa devido à diminuição no deslocamento das pessoas. Em março de 2020, no início do lockdown, alguns satélites captaram uma diminuição da poluição atmosférica a partir das restrições à circulação de pessoas. Entretanto, sabemos que boa parte dos problemas ambientais são causados por questões sociais.
Com o agravamento e combate inadequado à pandemia, a tendência é que os problemas socioeconômicos se agravem, fazendo com que a pressão aos ambientes naturais aumente. Enfim, os desafios ambientais já eram grandes, mas agora e no futuro serão ainda maiores.
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Participaram da entrevista com o pesquisador – que possui doutorado em Ciência Ambiental pela USP – os estudantes Gustavo Kafouri, Vinicius Santos, Pedro Paulo Gouvêa, Ana Clara Durazzo, Luíza Martins, Letícia Alves, Vinícius Farias, Beatriz Freitas, Isadora Santana, Joana Gianfaldoni, Ana Beatriz de Oliveira, Guilherme Chinarelli, Beatriz Lima, Raphaela Santucci, Maurício Massaro, Lucas Mendonça, Diego Aguiar, Ana Beatriz Coelho, Ana Carolina Ricarte, Ana Clara Masullo e Matheus Koch. O encontro foi mediado pelo professor Helder Marques e contou com a participação do professor Fernando De Maria no apoio à pesquisa sobre o tema.