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A ilha do medo 

Com enormes tanques ocupando o lugar do verde, a Ilha Barnabé ajudou o desenvolvimento industrial da região, mas hoje sua presença incomoda

Giovanna Real, Laís Regina, Lucas Leite e Vitor Leutz

O medo de uma explosão de grandes proporções acompanhou Nicolas Santana Nere Freire todos os dias durante três anos, período em que trabalhou na Ilha Barnabé, em um dos terminais instalados ali. 

 

“Tinha medo de tudo explodir, porque são muitos tanques na Ilha Barnabé, com toneladas de produtos tóxicos e inflamáveis. Qualquer errinho poderia ser crucial e desencadear um acidente enorme”, lembra Freire, de 24 anos, que trabalha como balanceiro, responsável pela pesagem dos produtos e controle dos estoques dos tanques. 

 

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Entre 2016 e 2019, ele pegava diariamente uma embarcação com destino à Ilha Barnabé, localizada na parte continental de Santos e conhecida por ser um grande depósito de combustíveis e produtos químicos desde 1930, criado antes mesmo da chegada da Petrobras à região.

 

Ao entrar pela primeira vez na Ilha Barnabé, o que mais o impactou foi o tamanho e a quantidade de tanques, mais de uma centena deles. Freire exercia uma atividade considerada perigosa e os riscos eram parte do seu cotidiano. 

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Uma ação rápida da brigada de incêndio impediu que o acidente atingisse maiores proporções, ficando restrito ao navio, mas a possibilidade de que o fogo atingisse os produtos armazenados fizeram com que o local passasse a ser chamado de “Ilha da Pólvora”. 

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O sentimento de que a Ilha Barnabé era uma ameaça para a cidade vem desde a sua criação, mas essa imagem tornou-se corrente após o acidente ocorrido em 24 de janeiro de 1951, quando o petroleiro “Cerro Gordo” pegou fogo a poucos metros dos tanques. Uma ação rápida da brigada de incêndio impediu que o acidente atingisse maiores proporções, ficando restrito ao navio, mas a possibilidade de que o fogo atingisse os produtos armazenados fizeram com que o local passasse a ser chamado de “Ilha da Pólvora”.

 

Outros incidentes consolidaram essa imagem de um lugar altamente perigoso. Em 2 de setembro de 1969, o petroleiro “Guaporé” incendiou-se nas proximidades da Ilha Barnabé, mas novamente a brigada de bombeiros do porto conseguiu conter o fogo. Em 29 de julho de 1974, houve o vazamento de mais de 3 mil litros de tolueno no estuário, tendo como consequência a morte de um operário e danos ambientais.

 

A população santista voltaria a temer por uma explosão de dimensões trágicas em 10 de outubro de 1991, quando um raio atingiu um tanque de acetato de vinila e acrilonitrila, causando um incêndio com labaredas de fogo que chegaram a cerca de 30 metros de altura. Mais uma vez, o combate ao fogo foi eficaz e apenas dois tanques foram afetados. 

Apesar do receio diário de trabalhar na Ilha Barnabé, Nicolas percebia que as empresas que operavam ali adotavam medidas rigorosas de segurança e isso o tranquilizava um pouco.  “Nós precisávamos seguir certos procedimentos para evitar acidentes e todos usavam equipamento de proteção Individual completo: macacão, botas de segurança, capacete e óculos”.

 

A recente transferência da empresa onde ele trabalha para o distrito industrial da Alemoa não diminuiu o temor do jovem. Pelo contrário, a possibilidade de um acidente com proporções catastróficas o atemoriza ainda mais.  “Na Ilha Barnabé eram apenas três terminais e na Alemoa são dezenas e com um maior número de tanques, é tudo mais perigoso”, alerta. 

 

Muitos se perguntam se há realmente a possibilidade de a Ilha Barnabé sofrer uma explosão ou vazamento dos produtos químicos e isso provocar a destruição de parte da cidade ou de causar a intoxicação de parte da população santista. O biólogo Ricardo Menghini, especialista em avaliação de impactos ambientais, conhece bem a realidade daquele depósito da zona portuária.

 

O pesquisador explica que a chance de uma explosão “do nada” é muito difícil. “Toda atividade humana tem um risco associado de ocorrer algo imprevisto e acontecer um desastre. Pode ser algo natural como um raio ou também um erro humano. Temos o exemplo da Alemoa, cujo incêndio em um dos tanques durou mais de uma semana e os estudos mostraram que foi por uma falha humana. Nada é impossível, daí a importância do cuidado com cada detalhe das operações”, alerta.

 

Mas se realmente viesse a acontecer uma explosão na Ilha Barnabé seria uma calamidade, admite Menghini.

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Nicolas Freire com companheiros de trabalho.

“Eu tive que subir algumas vezes nos tanques e era muito alto e confesso que isso me deixava bastante apreensivo”

Nicolas Freire

Foto: Arquivo Pessoal

“O Centro não está tão distante, são cerca de 500 metros. Seria um desastre gigantesco, principalmente para os funcionários que estivessem trabalhando naquele momento e que causaria a morte de muitas pessoas”

Ricardo Menghini

Menghini fez seu mestrado e doutorado com base em um trabalho que desenvolveu na Ilha Barnabé durante o período de 2001 até 2016. O biólogo foi chamado para elaborar um projeto de recuperação de uma área de manguezal que havia sido impactada por um acidente com derramamento de produtos tóxicos, ocorrido em 1998. “Uma das empresas precisou fazer um termo de ajustamento de conduta junto ao Ministério Público. O projeto de consultoria e restauração ecológica teve uma longa duração e aproveitei parte dos dados que levantamos na minha pós-graduação”, conta o biólogo. 

 

O impacto ambiental é grande e não se limita ao risco de incêndios. “Todas as atividades humanas dentro de uma região estuarina, dependendo da forma como são desenvolvidas, podem gerar uma maior magnitude de impactos ambientais negativos para os ecossistemas”. Menghini explica que, conforme o porto foi crescendo, o estuário foi sendo comprometido ambientalmente, mas essa não é uma situação exclusivamente da Baixada Santista. “Outros estuários do Brasil e do mundo em condições semelhantes possuem esse comprometimento”, diz Menghini. 

 

Ainda assim, o biólogo considera que há aspectos positivos a serem destacados. “A quantidade de aves que é possível observar na Ilha Barnabé é bastante significativa. E conversando com pescadores, eles contam que ainda há diversidade de crustáceos e peixes”. 

Foto: Reprodução/Santa Cecília
Tanques com produtos químicos na Ilha Barnabé
Tanques com produtos químicos na Ilha Barnabé

OS RESPONSÁVEIS PELA ILHA BARNABÉ

Em nota enviada à revista Viral, a Santos Port Authority (SPA) - nova razão social da autoridade portuária adotada em 2020 em substituição à Codesp - reforçou seu comprometimento com a ética, a transparência e a governança do porto.

Segundo a SPA, as áreas públicas, sob responsabilidade direta da Autoridade Portuária de Santos, são atendidas por diversos programas ambientais indicados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Já no que diz respeito à operação portuária, sob responsabilidade de empresas arrendatárias, há uma licença de operação específica para cada empreendimento, sendo que na Ilha Barnabé todas as licenças são emitidas pela Cetesb com exigência de programas de controle e monitoramento ambiental.

 

Sobre uma possível explosão, a nota diz que esse é apenas um boato e que estão preparados para qualquer acidente que possa vir a acontecer “A SPA possui seu Plano de Controle de Emergência - PCE e os terminais arrendatários instalados na Ilha Barnabé têm seus próprios Estudos de Análise de Risco (EAR), Programas de Gerenciamento de Riscos (PGR) e Planos de Ação de Emergências (PAE) aprovados pelo órgão ambiental competente no âmbito de suas Licenças de Instalação ou de Operação. Estes Estudos, Programas e

 

Planos trazem em seus conteúdos todos os procedimentos de segurança e recursos humanos e materiais necessários e suficientes para o correto gerenciamento dos riscos de acidentes ampliados de origem tecnológica, tais como explosões, incêndios ou emissões de nuvens tóxicas.”

Alemoa e suas questões ambientais

Se você mora na Baixada Santista ou vem com frequência para cá, com certeza já ouviu falar ou já passou pela Alemoa, um dos mais antigos e tradicionais bairros de Santos.

 

Atualmente, o bairro é o polo industrial da cidade e, também, responsável pela conexão que liga Santos a São Paulo. A Alemoa ficou conhecida no mundo inteiro após o maior incêndio da história portuária brasileira, que durou exatamente oito dias, no ano de 2015. 

 

Assim como a Ilha Barnabé, na Alemoa também existem empresas que causam riscos aos moradores e ao meio ambiente. Por conta do grande risco de explosão, os moradores da comunidade da Ilha e da Alemoa, se sentem com a “faca no pescoço”, ou “em cima de um barril de pólvora”, tristes expressões que descrevem o sentimento de quem convive dia a dia ao lado do perigo.

 

Indignados com a falta de apoio e visibilidade, os jovens da comunidade da Alemoa criaram um canal de comunicação, a Alemoa TV, no qual falam sobre os problemas e carências do bairro, com o propósito de chamar a atenção do governo para esse lado esquecido da cidade.

A Ilha de Pólvora é um mini documentário feito por estudantes do 4º ano de Jornalismo que conta um pouco sobre a “Ilha Barnabé”, localizada na cidade de Santos - SP. Conhecida por correr riscos de explosão, ganhou o apelido de “Ilha de Pólvora”. Mas será mesmo que pode explodir? Como será que os trabalhadores se sentem? Isso e muito mais você descobre assistindo.
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