as múltiplas facetas de uma jovem amante da natureza
Primeira mulher da América do Sul a integrar o Conselho Internacional de Jovens do Dia Mundial dos Oceanos e sócia na startup que criou o primeiro absorvente biodegradável do país, Patrícia Zanella atua em diferentes áreas, sempre pautada por uma visão humanista
Ágata Luz, Allan Veríssimo, Luana Chaves e Peter Nardotto
Uma das características mais marcantes de Patrícia Silva Zanella, de 25 anos, é a multiplicidade de interesses e a intensidade com a qual se dedica a cada um deles. Seu protagonismo juvenil está focado no que ela considera fundamental: a construção de um mundo mais igualitário, com respeito à diversidade, justiça social e que valorize a natureza em um processo de desenvolvimento sustentável.
O encantamento com as belezas naturais surgiu cedo, porque ela morava na periferia da cidade de São Paulo, no bairro Vila Rosa, e sua casa ficava a quinze minutos de distância do Horto Florestal, parque com 187 hectares de área com vegetação da Mata Atlântica.
“Com certeza esse acesso a um ambiente preservado desde muito jovem foi o que me motivou a ter uma consciência sobre a importância do meio ambiente”, conta a ambientalista. Aos 16 anos, quando a família mudou-se para Itanhaém, no litoral de São Paulo, ela encontrou uma verdadeira paixão: o oceano.
A intimidade com a água do mar consolidou-se quando ela começou a surfar, por meio da Ecosurf, uma organização não-governamental sem fins lucrativos, dedicada ao empoderamento dos surfistas e à proteção dos oceanos.
Arquivo Pessoal/Patrícia Zanella
Patrícia (segurando bandeira à esquerda) foi estagiária na ONG Ecosurf, em Itanhaém,
Além da preocupação com o meio ambiente, a moda foi uma das primeiras áreas de interesse da jovem, que desde os 13 anos já acompanhava todas as edições do São Paulo Fashion Week. Em 2010, ainda adolescente, criou o site Entenda de Moda, onde escreve até hoje sobre moda sustentável e consumo consciente. “Acredito que moda e ativismo podem e devem caminhar juntos”, diz Patrícia.
OLHAR VOLTADO PARA O MUNDO
Aos 18 anos, cursando Relações Internacionais na Universidade Católica de Santos (Unisantos), Patrícia descobriu que a Ecosurf estava começando a ser representada internacionalmente e estagiou na ONG até se formar, em 2017. Nesse período, participou em Santos do programa Jovens Talentos (2014/2015) da AIESEC, organização internacional dedicada a promover as potencialidades de liderança dos jovens.
Também recebeu o prêmio de Melhor Trabalho de Conclusão do Curso de Relações Internacionais, intitulado "Política Externa Brasileira para a América do Sul: análise de discurso dos ministros das Relações Exteriores (2015-2016)".
Patrícia não parou de estudar após a graduação em Relações Internacionais. Classificou-se em primeiro lugar no curso de mestrado em Direito Internacional, também na Unisantos, e passou a fazer pesquisas sobre governança global e regimes internacionais. Em uma pesquisa de campo realizada em Viña del Mar, no Chile, estudou políticas públicas locais com perspectivas de internacionalização.
Após seis anos na Baixada Santista, voltou a morar em São Paulo, onde se filiou à REDE Sustentabilidade, partido de Marina Silva, a quem ela considera como inspiração no cenário político. Em 2018, candidatou-se à Câmara Federal e obteve 10 mil votos, insuficientes para vencer a eleição, mas que mostraram sua capacidade de aglutinação, considerando que foi uma campanha de poucos recursos.
O seu currículo e engajamento social possibilitaram sua indicação como a primeira mulher da América do Sul a fazer parte do Conselho Internacional de Jovens do Dia Mundial dos Oceanos, ligado à Unesco, e ainda ser a primeira brasileira a fazer parte do Programa Hurford Youth Fellow, do Movimento Mundial Pela Democracia.
ECOCICLO, STARTUP QUE UNE FEMINISMO E SUSTENTABILIDADE
Após a campanha eleitoral, Patrícia e mais três amigas criaram uma startup, a Ecociclo. Ela é diretora de marketing do empreendimento e co-fundadora com Hellen Nzinga, gestora de projetos da empresa, e Karla Godoy, especialista em finanças. A quarta integrante da startup é a química Adriele Menezes, convidada posteriormente para integrar o time.
Em 2018, Patrícia participou do programa “Prolíder”, uma competição que tinha como objetivo selecionar lideranças para criarem negócios de alto impacto social, com potencial de alcançar positivamente a vida de até um milhão de pessoas. O programa durou oito meses, acontecendo todo sábado, e foi onde ela conheceu duas de suas sócias.
Ao final da competição, elas decidiram criar a startup para desenvolver o primeiro absorvente biodegradável do Brasil, e começaram uma longa jornada contra o machismo e o sexismo no mercado de trabalho, em busca de fornecedores.
“Nós percebemos que o nosso propósito era muito maior do que a competição, que era emancipar mulheres financeiramente”
Patrícia Zanella
Reprodução/Instagram Ecociclo
Desta forma, elas decidiram criar um absorvente 100% sustentável que, para ser produzido, contará com a mão de obra de mulheres da periferia de Salvador, onde Ellen e Adriele moram.
Segundo a ativista, o grupo percebeu que as opções mais sustentáveis para pessoas que menstruam, como os coletores menstruais, não tinham um custo tão acessível. “A gente viu em um produto, que é o absorvente biodegradável, uma maneira de dar acesso à praticidade e à sustentabilidade a uma pessoa que menstrua, de uma forma pelo menos mais acessível que as outras opções no mercado”, conta.
Assim, surgiu a empresa, está produzindo o absorvente biodegradável, com previsão de lançamento para o segundo semestre de 2021, feito por mulheres, visando gerar renda ao grupo e diminuir o impacto ambiental negativo gerado pelo uso de absorventes comuns.
“Agora nós estamos buscando financiamento, mas como o meio ambiente não pode esperar a gente ter dinheiro para ter escolhas mais sustentáveis, a gente criou um ‘marketing place’ de produtos sustentáveis feitos por mulheres da periferia de Salvador”, explica.
TABU, MACHISMO E SEXISMO: DESAFIOS DIÁRIOS
Mesmo com diversas formações e três mulheres altamente qualificadas ao lado, a jovem ainda encontra diversas barreiras para o desenvolvimento do projeto. Muitos desses obstáculos são colocados por conta do machismo, sexismo e o tabu que ainda paira sobre a menstruação.
De acordo com a ambientalista, muitos potenciais fornecedores se incomodam ao ver mulheres falando sobre menstruação abertamente e tentando criar um negócio com base nesse tema. “Praticamente é a regra, a exceção é quando a gente fala com alguém que não estranha quatro mulheres estarem falando de menstruação, absorvente e tudo que existe nesse mercado de higiene menstrual. E é muito triste, porque isso reflete o quanto o mercado de trabalho é dominado por homens, e por homens que ainda têm uma visão muito limitada de direitos sexuais e reprodutivos. É um desafio diário”, desabafa.
Arquivo Pessoal/Patrícia Zanella
Atuando em diversas vertentes, Patrícia luta por equidade, reconhecendo que o machismo e sexismo ainda são muito presentes na sociedade.
Além disso, ela conclui que em todos os locais onde está inserida, já sofreu algum tipo de retaliação machista ou sexista, mas utiliza seu conhecimento para se proteger contra isso. “Acredito que em todos os espaços já sofri algum tipo de machismo ou sexismo pelas pessoas acharem que não sei o que estou falando, mas me blindei para não passar por esse tipo de situação e continuo fazendo o meu trabalho”.
Sobre uma vida voltada para um mundo mais sustentável, ela acredita ser importante definir bem seus princípios. “A ética antes de tudo, o respeito à diversidade, o desenvolvimento sustentável e a igualdade de gênero são valores que considero essenciais para que tenhamos uma sociedade mais justa. Outro princípio que defendo é o globalismo, a ‘visão global para agir local’, com a necessária valorização da natureza”, explica.
Vegana há quatro anos, ela se vê como uma pessoa bem determinada e muito corajosa, por mais que tenha medo de muita coisa.
"acho que ser ativista ambiental exige coragem para agir, para tentar fazer as coisas diferentes”
Patrícia Zanella
UMA MULHER QUE NÃO FOGE DO DEBATE
Um amigo de longa data, o professor Victor Augusto Mendes, de 25 anos, não economiza elogios para ela. Os dois participaram de congressos e grupos de pesquisas juntos, desenvolvendo uma longa e sólida amizade, que se estendeu até a campanha política de Patrícia, com Victor integrando sua equipe.
“Foi incrível acompanhar o crescimento profissional da Patrícia. Quando a gente se conheceu eu era uma pessoa mais tímida e ela é uma pessoa mais aberta que conseguiu quebrar essa minha barreira da timidez. Ela é muito comunicativa, sempre aberta a ouvir, a agregar coisas ao assunto. E é firme, não tem receio de colocar suas ideias na mesa”, relata.
Apesar dos elogios, como toda amizade saudável, muitas vezes os dois entram em embates, porém, conforme conta Mendes, tudo entre os dois é resolvido de uma maneira “acadêmica”, graças ao longo histórico
Arquivo pessoal/Victor Mendes
Victor e Patrícia estudaram e trabalharam juntos.
dos dois dentro de universidades, congressos e salas de estudos. “Sou bem teimoso e ela é muito argumentativa. Ela sempre está incentivando as pessoas a sair da zona de conforto, a arriscar com consciência e responsabilidade”, diz.
Porém, a paixão pelo trabalho algumas vezes excede alguns limites, tendo que ser interrompida pelo amigo: “Eu entendo, porque sou assim também. Quando ela quer se dedicar a algo, ela vai com tudo na defesa de suas opiniões. Mas também ela é uma boa ouvinte, tentando sempre ver as questões por um lado mais humano”.