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Suspense e drama nas salas de cinema

Atualizado: 23 de jul. de 2020

Até o nostálgico drive-in é convocado para aliviar o verdadeiro “lockdown” nas bilheterias


No mundo todo, o ritual é semelhante: filas imensas para comprar ingresso, cheirinho de manteiga na pipoca, aglomerações no acesso à sala, pessoas se esgueirando para chegar às poltronas e casais agarradinhos no assento ao lado. Todo mundo bem ‘juntinho’.


Isso te lembra alguma coisa? Se você falou cinema...Acertou.


Com as luzes apagadas, às telonas perderam seu brilho, suas estreias e seu potencial econômico mundo afora. Sem previsão de volta no Brasil e em muitos países, a crise nas salas de exibição deixa várias dúvidas no ar.



Drive-in: uma moda do passado para resolver os problemas do presente


O mapa da distribuição geográfica no país mostra uma concentração de salas de cinema nos grandes centros urbanos, desigualdade que tende a se acentuar ainda mais depois da pandemia. A quantidade de municípios que não dispõem de sala de cinema deve aumentar, muito provavelmente, pela demora na retomada da lucratividade do setor.


Sem respostas óbvias e rápidas, o setor olha para longe, buscando sinais no horizonte. Na China - primeiro país a ser afetado de maneira severa pelo coronavírus – o mercado de cinema só não está pior do que os resultados da pandemia do filme ‘Contágio’, mas a situação é alarmante. Com a paralisação, as telonas orientais estão correndo altíssimo risco de encerrar as atividades de pelo menos 40% das cadeias de cinema no país, segundo a China Film Association.


De volta às terras brasileiras, mais precisamente às cidades da Baixada Santista, uma das possibilidades de saída parece inspirada no enredo do filme ‘De volta para o futuro’: buscar no passado costumes para resolver os problemas do presente. É assim que os drive-ins, espaço para exibição de filmes ao ar livre, têm se transformado em uma alternativa de sucesso, mesmo que num período de vacas magras para lançamentos. Isso aconteceu com a CineSystem, em Praia Grande, única cidade que conseguiu adotar esse sistema na região. Com lugar marcado, pipoca, guaraná e tudo mais que se tem numa sala de cinema. A diferença agora é cada um no seu carro, com a sua máscara, álcool gel e mantendo uma distância do companheiro de sessão, logo no veículo ao lado.


Sim, no veículo – como naquela cena de “Grease em que Sandy e Danny estão assistindo a um filme ao ar livre, mas com a janela fechada, é claro. A CineSystem, em parceria com o shopping Litoral Plaza, resgatou um sucesso dos anos 1970 para manter a proximidade com os clientes, já que todos os cinemas tiveram que fechar as portas a partir da decretação do isolamento social. O ingresso é comprado pela internet ou na bilheteria do local mesmo e custa 15 reais por pessoa – metade do preço cobrado antes da pandemia.


Enquanto o mundo todo está como Tom Hanks em “À espera de um milagre”, (no nosso caso, apostando que os órgãos de pesquisa encontrem logo uma vacina para o coronavírus), essa volta ao passado tem como premissa recompor parte da receita das grandes redes de exibição e, principalmente, dos cinemas de rua.


Segundo Sherlon Adley, diretor comercial e de marketing da CineSystem, uma das maiores redes de exibição do país, o cinema vem perdendo público desde a segunda quinzena de fevereiro. Quando a quarentena foi decretada, a empresa iniciou o fechamento das 160 salas nos dez estados brasileiros em que a franquia está presente. Para amenizar a situação, lançou alternativas, além do drive-in: o cartão-presente e as lives. O primeiro é um cartão pré-pago que pode ser usado para comprar qualquer produto ou serviço oferecido pelos cinemas da rede. Com validade de seis meses, a aquisição pode ser feita nos valores de 30, 50, 75 e 100 reais.


Já as lives fazem parte da campanha “Cinema além do filme”, que vão de shows à contação de histórias para o público em geral, no canal do Youtube. “A Cinesystem segue confiante de que atravessará a crise e manterá toda a equipe unida para que a retomada seja ainda mais rápida e positiva”, aposta o diretor. Parte do dinheiro da venda de ingressos é revertida para o Fundo Social de Praia Grande.


O Informante

Enquanto a CineSystem se reinventa para driblar a crise, alguns espaços não veem perspectivas. Mesmo com toda a magia da sétima arte, o jornalista e crítico de cinema Vinicius Carlos Vieira, do CinemAqui, conhece as redes de exibição da região sem precisar de um mapa para a Terra Média, do clássico “Senhor dos Anéis”, ou algo do tipo.


Por isso, ele vê nessa alternativa ‘retrô’ uma saída, mas acredita que possivelmente não vai salvar os estabelecimentos dos prejuízos. “É uma opção para poucos. Em Praia Grande, houve esse caminho, pois estava tudo ali: estacionamento fora do shopping, uma tela adequada para isso e entrega da lanchonete em cada carro”, observa Vinicius. Para outros cinemas, como Cinemark e Roxy, essa não seria uma “nova esperança”, pois não teriam como atuar como drive-in.

Luz, câmera...escuridão

Instalado no térreo de um edifício residencial antigo, com um protótipo das muretas de Santos enfeitando a fachada e sempre com um pipoqueiro na porta, o cine Roxy tem jeitão de cinema de bairro, um certo charme como o da livraria Travel Bookshop, de “Um lugar chamado Notting Hill’, só que pertinho da praia. Em toda a Baixada, a rede tem 17 salas, com média de 200 lugares cada, totalizando quase 4 mil assentos.


Emblema da vida cultural santista, o Roxy já viveu muitos altos e baixos, passou por maus bocados, se recuperou, cresceu, mas “O inimigo agora é outro”, como anunciou o título de um blockbuster do cinema brasileiro. Dos santistas que costumam ir ao cinema, 50% escolhem uma sala do Roxy, o que perfaz um público médio de 1,5 milhão de espectadores/ano. As salas Roxy de São Vicente chegam a atrair 600 mil pessoas por ano. Sem esse contingente de “pagantes” os reflexos na folha de pagamento serão diretos, o que pode levar ao desemprego.


Segundo o jornalista, o “novo normal”, como um cenário de filme de terror, pode ocasionar problemas econômicos efetivos em relação ao negócio dirigido pelo empresário Toninho Campos. “O Roxy vai ter que repensar algumas coisas, em termos de estrutura mesmo, porque é um cinema de rua. Talvez as pessoas se sintam confortáveis dentro destes novos modelos, como o drive-in”.


Ainda em meados de março, a rede propôs aos funcionários um plano de demissão voluntária ou um programa de qualificação online, pelo qual passariam a receber 80% da remuneração líquida. Todas essas ações apostam na tendência de reabrir o quanto antes, mas a previsão ainda é incerta e o protocolo sanitário para as novas salas de exibição pode ser insuficiente para recompor os prejuízos.


A sombra de uma dúvida

A produção brasileira de filmes já estava há um tempo vivendo uma “Guerra nas estrelas”, com a ameaça de fechamento da Ancine (Agência Nacional de Cinema) e falta de projetos consistentes na esfera cultural. Segundo a SICAV (Sindicato da Indústria Audiovisual), a indústria do audiovisual gera mais de 300 mil empregos diretos e indiretos e movimenta 3,3 bilhões de reais em impostos. Todas essas circunstâncias deverão ter reflexos nos números do cinema brasileiro pelos próximos dois anos, com poucos lançamentos e uma parcela do público migrando para a televisão e serviços de streaming.


Vinicius Carlos Vieira, do CinemAqui
Vinicius Carlos Vieira: “alternativa ‘retrô’ não vai salvar os estabelecimentos dos prejuízos”

Segundo Vinicius, a operação vai ficar mais cara para as salas de exibição e também para os produtores de filmes, pois todos terão de obedecer a medidas mais drásticas como divisórias para distanciamento, material de higienização, termômetros, testes, além de locações maiores para gravação, entre outras providências. Isso deve encarecer o valor do bilhete. “Se vão filmar oito horas por dia e cada máscara só é usada por duas horas, eles terão que fazer essa conta para saber como filmar. É uma quantidade enorme de máscaras para comprar. Para Hollywood, não tem problema, afinal, a gente está falando de gastos necessários. Mas para o Brasil, em um filme com orçamento apertado, que tenha de gastar mais de 100 mil reais em máscaras, passa a ser um problema, porque cerca de 5% do custo total da produção vai ser nisso”.


O sócio da produtora independente Ocean Films, João Roni, que gera conteúdos como séries, filmes e documentários, explica que, desde o início da quarentena, todas as filmagens foram encerradas e a expectativa é de que não retornem tão cedo. A empresa está se mantendo por meio das produções publicitárias, que se adaptaram à nova realidade, gravando imagens de forma remota, sendo que até as famílias dos fotógrafos se tornaram atores para compor os núcleos, de maneira a garantir a segurança necessária. “Quando a gente tem alguma coisa para rodar, já temos tudo planejado e escrito. Ninguém está pronto agora para fazer isso, sem estar no formato adequado dentro das novas normas e protocolos”, diz Roni.


A Ocean assinou contrato com plataformas streaming como Netflix, Globoplay e pretende gravar uma série entre novembro e dezembro, seguindo as medidas instituídas pelos órgãos de saúde. As ações envolvem cuidados sanitários, incluindo o isolamento do elenco principal e profissionais atuantes no processo, redução de equipe, mínimo contato físico, uso maior de recursos gráficos e efeitos especiais, preenchimento de formulários que informam a rotina do indivíduo antes do contato com os colegas e as demais recomendações de higienização da OMS (Organização Mundial da Saúde). Entretanto, há uma preocupação com a elevação dos custos finais.


O Império contra-ataca

Dados divulgados pelo jornal O Globo informam que a Ancine e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estão em fase de elaboração de uma linha emergencial de crédito para socorrer a indústria do cinema como um todo. A medida poderá bancar a folha de pagamento das empresas exibidoras por um ano e prevê ainda o uso de recursos do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), mas enfrenta vários processos burocráticos para entrar em vigor. A esse cenário soma-se uma crise institucional interna na Ancine, causando incertezas quanto aos recursos futuros do fundo, que se arrastam há mais de um ano.


Desde 2019, o FSA possui mais de 700 milhões de reais que não são repassados à indústria audiovisual e aguardam por uma decisão do Governo Federal. Se liberado, o recurso pode salvar o setor da crise aguda, gerando retorno na economia do país e um final feliz às famílias de milhões de trabalhadores da área.


O Querô

Plínio Marcos, um dos maiores dramaturgos brasileiros, nasceu em Santos. Não é à toa que a cidade, cenário do filme “Querô” - inspirado na obra do escritor-, é reconhecida pelos seus diversos meios de incentivo à cultura e ao setor audiovisual.


O impacto social de suas obras não se limitou apenas ao filme, mas também deu vida ao Instituto Querô, hoje conhecido nacionalmente por revelar atores, produtores, diretores e cineastas. Com início em 2006, tem por objetivo a capacitação de jovens moradores de regiões periféricas da Baixada Santista, promovendo cinco projetos: Oficinas Querô 1º ano, Oficinas Querô 2º ano, Querô na Escola, Querô Comunidade e Sessão Pipoca.

Em razão da pandemia, as aulas foram canceladas e adaptadas à versão online.


“Paralisamos em março, naquele primeiro período de quarentena. Mas retomamos as atividades em abril, após reestruturar todo nosso cronograma e adaptarmos nossos projetos de forma online, com aulas via Hangout e ClassRoom, com equipe e profissionais do cinema nacional convidados”, afirmou Tammy Weiss, coordenadora do Querô que procura manter o otimismo, mesmo não acreditando em uma retomada breve : “Creio nos pequenos grupos criativos que sempre se reinventaram na região ao sofrerem censura e apagões de investimento”.


Hollywood caiçara

Reconhecida como “cidade criativa”, Santos é também uma referência quando o assunto é cinema. Segundo o secretário de Cultura de Santos, Rafael Leal, este setor certamente será um dos últimos a voltar. “Neste momento estamos trabalhando para dar assistência aos profissionais da arte e da cultura, e tão logo seja possível a retomada, vamos voltar a todo vapor, sempre respeitando as normas de segurança e saúde”. De acordo com o gestor, tudo será pensado com bastante cautela, sem pressa, visto que a maioria das atividades e eventos envolve grande número de pessoas.


No momento, a aposta são as apresentações online, com a abertura do canal no Youtube, o Cultura Santos, bem como a realização de lives solidárias com o objetivo de arrecadar cestas básicas para o Instituto Arte no Dique e para artistas e profissionais da cultura e do entretenimento. “Desde o início do período de isolamento social, mantemos contato com os produtores, para estudarmos a melhor forma de planejar a retomada das ações. Tão logo seja possível, a Prefeitura estará pronta para continuar prestando apoio ao setor audiovisual, por meio do Santos Film Commission”, garante o secretário.




 

Por Franciele Ferreira II Izabely Carvalho II Larissa Ribeiro II Luiza Oliveira // Mariane Luz


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