top of page

“Quando soubemos que íamos trabalhar só com paciente de covid, caímos no choro”

Jackeline Dias Katarina, de 31 anos, é enfermeira na UTI da Santa Casa de Santos, local que passou por transformações para receber somente pacientes com covid-19. Ela acredita que no trabalho está protegida por normas bem rígidas de segurança. Hoje a maior angústia é conseguir alguém para tomar conta dos dois filhos, um deles autista.


Moro com meus filhos, um de sete e outro de cinco anos, o mais novo é autista. Dá para imaginar como é complicado ajustar trabalho, atenção às crianças e organização financeira; afinal, há milhares de mães iguais a mim por aí. Mas nem todas trabalham em Unidades de Tratamento Intensivo, ou UTIs, o que torna algumas situações ainda mais difíceis. Sou enfermeira, mas não escolhi a enfermagem. Foi a enfermagem que me escolheu. Por quê?


Há seis anos trabalho na área da saúde, sempre na UTI. Antes realizávamos as internações de pós-cirurgia, ou cirurgia limpa. Agora temos um indesejável convidado, que é o covid-19.

Ninguém o vê, mas o poder dele é enorme e, como cidadã e mãe, eu me preocupo. Lá no serviço me sinto segura. Usamos capotes estéreis específicos e máscara NR 95 por cima da máscara cirúrgica. Também usamos touca descartável, luvas e álcool em gel em tudo que é lado. A gente já entra no setor assim.


O turno começa às 19h e termina às 7h. Temos uma cota de capotes para que os profissionais do horário seguinte não fiquem sem proteção. Cada profissional pode usar três capotes noturnos. A gente chega, a enfermeira prepara o nosso plantão e aí tomamos o café, depois entramos no setor para a jornada da noite. Temos o horário do jantar, que é das 23h até a 1h. Depois do jantar vestimos o segundo capote e na madrugada trocamos pelo terceiro para poder tomar o café.


Passamos por um treinamento para usar essa roupa especial e lidar com os pacientes de covid. Quem trabalha em UTI normalmente tem o hábito de estar em contato com o paciente, de mexer no tubo e em outros equipamentos de saúde. Depois da chegada do novo coronavírus fomos instruídos a não mexer mais nesses equipamentos, só quem mexe é a fisioterapeuta. Tudo que é respiratório, por exemplo a inalação, nós não fazemos mais. Para ajudar no caso de muita falta de ar estamos medicando Azitromicina.


De uma hora para outra nos mudaram de setor. Foi quando descobrimos que iríamos atender vítimas do coronavírus. No primeiro momento todas caímos no choro. Eu só conseguia pensar na minha família, nos meus filhos. Ninguém sabia o que realmente estava acontecendo, ninguém sabia direito o que esse vírus faz com a pessoa. Nem como conseguiríamos tratar os pacientes.


Mas aí o dever falou mais alto. Conseguimos nos ajudar umas às outras, conseguimos nos organizar, manter a cabeça firme. Quando uma estava mais desanimada, falávamos em Deus, que não ia nos abandonar, ia nos dar forças. Ficamos muito unidas. A partir daí a nossa preocupação era se alguma de nós havia pego a doença, mas pelo menos no nosso turno não houve incidentes.


Agora estamos no setor maior, com cerca de 50 leitos, antes eram nove, somente de covid-19. Uma policia a outra, verifica se falta algum EPI, se lavaram as mãos. Estamos mais

tranquilas, seguindo à risca os protocolos de limpeza e segurança.


E ainda somos obrigados a tomar banho antes de sair. Quando chego em casa, tiro minha roupa, ponho pra lavar e tomo mais um banho. Aí eu me deito. Em dia de plantão eu durmo duas horas e meia, no máximo. Ainda tenho alguém que fique com o mais novo, mas só até este mês. Depois disso eu não sei quem vai ficar com meus filhos. O pai deles já não faz parte da nossa família. Ele até ajudava com a despesa mensalmente, mas ultimamente dá o que acha que deve. Tem mês que ele ajuda, tem mês que nem dá as caras. E ainda acha que faz muito. No último mês, recebi apenas 10% do valor que ele costumava pagar. O pior é que não consigo encontrar quem possa ficar com os meninos, o que é uma angústia. Ainda mais filhos de enfermeira, que está na linha de frente contra essa pandemia. Por enquanto, só me resta orar.

 

Por Raphael Seroni, Bernardo e Diogo


7 visualizações0 comentário
bottom of page