top of page
Buscar
  • sarahlvvieira8

Como uma força estranha

Combate à criminalidade e à violência se faz com afeto e união. É a proposta de Egle Rodrigues Pereira à frente do projeto social que leva o seu nome


De calças jeans, blusa preta e cabelo cacheado, Egle Rodrigues Pereira abre o portãozinho enfeitado com personagens da Turma da Mônica e age como se ali fosse sua casa – e talvez de fato seja. Convida a entrar sorridente e falante, como se nada a abalasse. Os altos e baixos da vida, principalmente os baixos, deram a ela estofo e um coração transbordante de amor para compartilhar.


É só pisar na casa do Projeto Tia Egle e sentir que naquele lugar muita coisa acontece. Nas paredes, nas portas, em cada sala, cada vão é cheio de significado. Chamam atenção os trabalhos e a arte feitas pelas mãos das muitas crianças e adolescentes que já passaram por ali ou ainda frequentam a casa de muro azul encravada nos arredores da Zona Noroeste de Santos.

colocar descição
Egle coordena o Projeto Tia Egle, que funciona no Rádio Clube, na Zona Noroeste de Santos

Egle atende crianças e adolescentes no contraturno escolar, e as auxilia no seu processo de aprendizagem e maturidade. Em 2003, vendo a realidade de sua comunidade com altos índices de violência urbana, o crescimento do narcotráfico e a fragilidade social, Egle deu início ao projeto. De amor e bondade ela entende, já que desde pequena teve o suporte necessário para entender o que uma criança precisa.


Nunca faltou amor. Egle cresceu rodeada por sua família em uma casa na rua Carvalho de Mendonça, em Santos. Mudou-se para a Zona Noroeste aos 16 anos e logo percebeu que poderia fazer a diferença naquele lugar. Hoje, tenta levar um pouco de todo o amor que recebeu quando criança. Mas a vida nem sempre foi tão justa. Na verdade, talvez Egle não tenha sido justa com ela mesma.


A força que a coordenadora mostra veio de um momento difícil, que a colocou em lugares onde não pertencia. Inquieta, ela se recorda de uma época que não se orgulha. “A Egle de 21 anos vacilou muito na vida, fez muita coisa errada com ela mesma, sabe? Não fez coisa errada com as pessoas. A Egle de tempos atrás não me inspira”.


Com 20 anos, engravidou inesperadamente e, talvez pela imaturidade, falta de conhecimento ou até de responsabilidade, não agiu como uma mãe de verdade. Seguiu com sua vida de jovem, de festa, de samba, e todas as suas responsabilidades maternas ficaram para trás.


A chave virou quando descobriu que estava grávida novamente, aos 22 anos. Mas dessa vez foi diferente. Seu filho Felipe, nascido com esclerose múltipla, veio para ser a

cura da coordenadora.


Desde então, ela percebeu o quanto precisaria mudar para ser quem o pequeno Felipe precisava. Pediu perdão por tudo que não tinha feito e recomeçou sua jornada, certa de que o melhor começaria a partir do momento que tivesse amor próprio.



“Quando você aprende a se respeitar, começa uma sequência infinita na sua vida", acredita Egle.

Mas quando se tornou a “Tia Egle”, a vida deu um novo jeito de surpreendê-la. Com 36 anos, Egle abraçou crianças entre 4 e 14 anos no contraturno escolar, com o objetivo de dar um rumo diferente à trajetória de cada uma delas e criou o “Projeto Tia Egle” na região que é apontada como uma das maiores favelas sobre palafitas do Brasil.


Hoje, 20 anos depois, mais de quatro mil crianças e adolescentes já foram atendidas pelo projeto. São ações sociais, culturais e esportivas que promovem crescimento e bem-estar dos participantes e é com a ajuda da Prefeitura de Santos e apoio de entidades privadas que o projeto perdura.


No dicionário, a palavra guardiã significa a pessoa que defende algo ou aquele que acompanha e é protetor de possíveis ataques e agressões. Definição que cai como uma luva para o trabalho da líder comunitária.


Com o projeto, ela foi capaz de identificar o quanto errou, mas também que poderia dar uma reviravolta e se tornar uma pessoa melhor. “Comecei a entender a dificuldade das pessoas, o bem-querer das pessoas, a necessidade e a força de mudar, isso eu entendo”, diz Egle.



Egle Rodrigues no evento de lançamento da Viral




























Dignidade Menstrual


Egle começou a entender a dificuldade de mulheres periféricas que a rodeavam e sequer imaginava. "Dizem que a carne da mulher é a mais fraca do mercado. Mas esquecem de dizer que tem que ir para a panela de pressão porque a gente é dura de roer. A minha carne é tão fraca quanto a de outras mulheres, porém, a nossa carne é muito mais forte juntas. A gente sangra, a gente é mulher e se a gente parar, não vem mais ninguém".


Em 2019, Egle se viu diante de um problema de falta de dignidade menstrual. O primeiro sinal foi quando reparou que as meninas começaram a não ir para a escola em um determinado período do mês. A coordenadora, então, não mediu esforços para encontrar uma solução e criou ações para tentar melhorar a qualidade de vida das meninas que participam do Projeto Tia Egle.


Egle com as companheiras do projeto

Por meio de doações, ela criou um banco de absorventes, que são distribuídos de acordo com o período menstrual de cada uma das meninas - dados que foram coletados pelas funcionárias da instituição. Os meninos e as garotas que não menstruam levam os absorventes para as mães e irmãs.


Muito da força que Egle carrega vem da energia que ela recebe nas ações de solidariedade que desenvolve no bairro. Foi assim quando chegou na fase dos 50 anos e descobriu um câncer de mama, um dos que mais atinge as mulheres em todo o país. Sua vida, porém, não mudou ao descobrir a doença, mas sim o seu olhar para tudo.


Egle, com toda sua generosidade, entendeu que o câncer deu a ela uma oportunidade para correr atrás do que mais deseja, do que enche o coração dela de alegria e por isso, não cogitou parar com suas atividades. Mesmo com uma batalha pessoal a vencer, segue se dedicando de corpo e alma ao projeto que leva seu nome.

 

texto Sarah Lima e Julia Soares foto Bianca Ramos e Gyovanna Soares


16 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

コメント


bottom of page