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A guerreira sergipana

Conheça a história dessa mãe nordestina que sobreviveu a todo tipo de violência e abandono até encontrar seu lugar no mundo.



A história de Itamara Barbosa dos Santos é parecida com a de milhares de nordestinos, principalmente mulheres, que cruzaram o Brasil atrás de oportunidades no “sul maravilha”. Nasceram pobres, muito pobres, perderam os pais cedo, sofreram abuso sexual na infância, engravidaram e em algum momento conseguiram colocar a vida no rumo. Nunca um eixo muito estável, ou seguro.


Afinal, quem passa fome, sofre violência e se vê expulso da própria terra, vai seguir pela vida carregando um fardo de dor.



A arte transforma vidas, como a de Itamara Barbosa, que decorou sua sala de estar com CDs


O início de tudo

Reciclagem, lembranças e uma nova vida a partir do artesanato


A sergipana da cidade de Lagarto tem 17 irmãos. Como a mãe não dava conta de tantas bocas para alimentar, alguns dos filhos foram entregues em doação informal a parentes próximos. Itamara, então com 8 meses, até parecia ter sorte, porque foi parar justamente na casa do bisavô materno. Sem luxo, com pouco afeto, mas comida não iria faltar. Acontece que o bisavô morreu e a menina ficou sob os cuidados da mulher dele, que não era sua avó de sangue. Nesse estágio da vida, Itamara passou por vários momentos tristes, porque a madrasta a maltratava e a obrigava a fazer o serviço pesado.


Criar e ensinar virou o propósito de vida de Itamara

Aos 8 anos já pegava na lida, trabalhando nas lavouras de feijão e milho. Com a mandioca que descascava todos os dias conseguia comprar arroz, feijão e açúcar, itens de primeira necessidade para manter seu corpo franzino de pé.


Uma sina de gata borralheira sem direito a baile e príncipe ou sapatinho de cristal. Entretanto, o momento mais crítico se deu quando a madrasta recebeu em casa um Pai de Santo que, dizia ela, faria a limpeza espiritual na casa.


Itamara estava com cerca de 12 anos e, inocente, consentiu que o tal homem a levasse para o quarto. E ali o homem fez o que bem quis. Por mais que Itamara gritasse, a madrasta fingia não escutar e assim deixou que se consumasse o estupro de uma vulnerável que ainda sofreria muitas outras violações pela vida.


Na adolescência recebeu um convite para morar e fazer limpeza em uma pizzaria da cidade. O serviço era duro: limpava a casa dos patrões e o salão onde eram servidas as pizzas. Ganhava apenas R$ 12,50 por dia, com direito a quarto e uma cama onde dormia e fazia as refeições.


"Eu só queria construir minha vida fora do lugar onde nasci, e hoje apesar de viver em grandes dificuldades, ainda consigo sobreviver para dar do bom e do melhor para meus filhos"

Certo dia, um casal cliente da pizzaria viu o desembaraço da menina no trabalho e a convidou para trabalhar na casa deles com a promessa de um salário decente e um trabalho mais leve. A proposta parecia boa, mas Itamara ficou pelo caminho. Quando chegaram em Juazeiro do Norte (CE), ela constatou que a promessa do casal não era tão boa como ela supunha inicialmente.


Ela ficou hospedada em uma pousada chamada Hotel Plaza, sendo que as primeiras diárias foram bancadas pelos patrões, mas depois deixaram de custear a estadia e por lá ela foi ficando. Como a pousada só servia café da manhã, ela ficava sem almoço e jantar.


O que tinha era bem pouco, umas moedas que havia trazido, então depois do café ia até a vendinha mais próxima para comprar um geladinho para matar a fome.


A dona da pousada denunciou os patrões de Itamara à polícia ao perceber que eles queriam que ela trabalhasse em regime de escravidão. Para retornar à sua cidade natal, o casal conseguiu ajuda de um motorista que morava na cidade de Itamara para levar até sua casa. Os vizinhos se espantaram com sua magreza e seu sumiço por quase dois meses e contaram a ela que a mãe estava hospitalizada.


A mãe a viu e, muito arrependida e chorosa, disse que se soubesse que era um golpe, não deixaria a filha ir.


A mudança de vida


Uma reviravolta em sua vida ocorreu aos 27 anos de idade, quando sua amiga Gerusa a chamou para morar com ela em Santos, na Vila Pantanal. Gerusa era conhecida de Itamara lá da cidade de Lagarto, no interior de Sergipe.

Na comunidade da Vila Pantanal, foi onde Itamara criou seus três filhos de pais diferentes. São eles, Breno de 15 anos, Alice de 4, e Vitória de 9. Os filhos são frutos de relacionamentos que não deram muito certo, pois não teve muita sorte em sua vida amorosa. Além dos filhos, ela mora com dois gatos que recolheu das ruas. Sua casa é decorada com muitas plantas e a sala de estar tem uma parede repleta de CDs.



Foi na periferia que ela aprendeu artesanato com um grupo de mulheres que mudou sua vida para melhor. Com isso, Itamara passou a produzir e vender seus produtos no ateliê que fica instalado em sua própria casa.

Quem vê hoje o sorriso iluminado e o capricho com que Itamara produz cada peça artesanal não é capaz de imaginar quanto ela precisou lutar para ter uma vida digna.


São bolsas feitas com caixas de leite, caixinhas de presente, cachorrinhos de lã e bonecas para serem colocadas como porta papel-higiênico.





Atualmente, Itamara presta também serviços de limpeza para diferentes pessoas, sem carteira assinada, e vive do artesanato para complementar o sustento do lar. Ela sonha que futuramente irá conseguir um lugar onde possa criar seus filhos com tranquilidade, com facilidade no transporte, escola de qualidade, opções de lazer e, principalmente, longe das drogas.


 

Texto Rodrigo Andrade

Entrevista Andressa Rosario Fotos Michele


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