top of page

“Quando sentimos medo é por nós e pelo outro”

Atualizado: 30 de abr. de 2020

A máscara é um acessório novo na vida do motorista Carlos Gomes, de 57 anos. Ele não reclama, sabe que é para o seu bem e dos passageiros que transporta todos os dias até o polo industrial de Cubatão. Na nova rotina, com menos trânsito e menos viagens, sobra mais tempo para caprichar na higienização do veículo



Por volta das 4h30 da manhã pulo da cama e por volta das 5h30 já estou dando a partida na minha moto para cumprir mais um dia de trabalho. Moro no Parque São Vicente e a primeira etapa do meu trajeto diário é até o Centro de São Vicente, para deixar minha companheira de duas rodas no estacionamento e sair com a van para apanhar os passageiros e levá-los ao seu local de trabalho.


Uso máscara o tempo todo dentro da van, é uma norma da empresa para proteger motoristas e passageiros da covid-19.


É claro que, como todo mundo, eu também tenho medo. Medo de ficar doente e medo de ser dispensado.

O fato de transportar passageiros de uma indústria que fornece oxigênio e hidrogênio para hospitais acaba colocando o meu trabalho na cadeia dos chamados “serviços essenciais”. Não fosse isso, provavelmente estaria parado, sem poder ganhar dinheiro para por o pão na mesa de casa.


A linha que faço todos os dias há um ano e meio, tem início na Praia Grande; em seguida vou para Santos e por fim Cubatão. Após buscar o último passageiro, a próxima parada é uma padaria, onde eles podem compram pães, leite, frios para prepararem o café da manhã no local de trabalho. Às 7h40 em ponto tenho que estar em frente à empresa. Antes da pandemia, às 11h30 eu já estava de novo na portaria para levá-los para o almoço, agora eles pedem comida por delivery. Essa mudança acrescentou algumas horas na minha rotina, o que me permite voltar para casa e ainda aproveito para caprichar na higienização da van.


A limpeza do carro é uma coisa que hoje tem prioridade no meu dia. Quando o pessoal entra, pela manhã, ela já está higienizada, pois no término de cada dia eu mesmo dou uma geral, limpo diariamente o assoalho, os cintos, os bancos, o corrimão, as maçanetas, o volante, o câmbio, e cada compartimento. Antes da epidemia eu já fazia isso, mas agora uso produtos mais eficazes, como álcool em gel.


Quase não se conversa sobre a pandemia durante as viagens.

Não sei se pelo sono, logo cedo, ou pelo cansaço no caminho de volta, ou talvez por não aguentarem mais falar no assunto. E também porque o ambiente anda meio triste, sei lá, cada um fica mais na sua.


Quando os ponteiros batem 17h50 inicio o caminho de volta, retornando cada passageiro de volta para casa.


Quando chego na minha casa, por volta das 20h, minha esposa Luciene já está a minha espera, me pedindo para que tire toda a roupa do trabalho e vá direto lavar as mãos ou de preferência direto para o banho. Não posso nem imaginar entrar dentro de casa com os sapatos que usei na rua. Já existia uma neura da limpeza, que agora está triplicada. Mas não julgo, amo o cuidado que ela tem comigo. Estamos o tempo todo alertando o Lucas, de 20 anos, filho da Lu e meu enteado, para se prevenir contra a doença.


Diante das circunstâncias tão complicadas, acho que estou numa condição até boa. Lá na empresa pelo menos três linhas foram suspensas e não houve condições de manter os funcionários em casa de quarentena. Um recebeu férias adiantadas para não ser demitido, outro foi dispensado e a previsão era de que mais um ou dois funcionários também fossem desligados, o que ainda não sei se aconteceu.

É importante continuar ativo e cumprindo a minha parte, pois já fiquei dois anos e meio afastado. Minha esposa é autônoma e trabalha como manicure em um salão de beleza que está seguindo as indicações médicas para ficarem em casa. Portanto, ela depende do trabalho suado para conseguir o dinheiro que nos ajuda nas contas de casa. Ela não sai mais, se eu perdesse o emprego estaríamos em uma situação muito delicada.


Meus pais sempre me apoiaram em relação à profissão que escolhi seguir. Todos os domingos, eu e minha esposa costumávamos almoçar na casa dos meus pais, mas como estão na faixa etária de risco, temos evitado ir lá. Era a única coisa que eu gostava de manter aos finais de semana, já que trabalho de segunda a sábado e não tenho muito tempo ou energia para outras atividades.

 

Por Lucas Ferreira || Vinicius Costa || Maria Anielle

Comments


VIRALOKPRETO.jpg

Revista Viral -  Especial Quarentena

Revista Laboratorial do 4º ano de Jornalismo da Universidade Santa Cecília, na disciplina de Laboratório de Produções Jornalísticas (Revista). Esta edição conta com produção dos alunos das disciplinas de Radiojornalismo, Informática Aplicada, Oficina de Jornalismo e Representação Eletrônica (Produção Multimídia). 

Professores responsáveis: Helder Marques, Nara Assunção e Raquel Alves

Professora responsável pelos podcasts: Wanda Schumann

Diretor da Faac: Humberto Challoub

Coordenação de Jornalismo: Robson Bastos I Coordenação de Produção Multimídia: Márcia Okida

 

Site criado com Wix.com

STORIE - POSTAGENS (1).png
bottom of page