“Quando sentimos medo é por nós e pelo outro”
- viralunisanta
- 27 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de abr. de 2020
A máscara é um acessório novo na vida do motorista Carlos Gomes, de 57 anos. Ele não reclama, sabe que é para o seu bem e dos passageiros que transporta todos os dias até o polo industrial de Cubatão. Na nova rotina, com menos trânsito e menos viagens, sobra mais tempo para caprichar na higienização do veículo

Por volta das 4h30 da manhã pulo da cama e por volta das 5h30 já estou dando a partida na minha moto para cumprir mais um dia de trabalho. Moro no Parque São Vicente e a primeira etapa do meu trajeto diário é até o Centro de São Vicente, para deixar minha companheira de duas rodas no estacionamento e sair com a van para apanhar os passageiros e levá-los ao seu local de trabalho.
Uso máscara o tempo todo dentro da van, é uma norma da empresa para proteger motoristas e passageiros da covid-19.
É claro que, como todo mundo, eu também tenho medo. Medo de ficar doente e medo de ser dispensado.
O fato de transportar passageiros de uma indústria que fornece oxigênio e hidrogênio para hospitais acaba colocando o meu trabalho na cadeia dos chamados “serviços essenciais”. Não fosse isso, provavelmente estaria parado, sem poder ganhar dinheiro para por o pão na mesa de casa.
A linha que faço todos os dias há um ano e meio, tem início na Praia Grande; em seguida vou para Santos e por fim Cubatão. Após buscar o último passageiro, a próxima parada é uma padaria, onde eles podem compram pães, leite, frios para prepararem o café da manhã no local de trabalho. Às 7h40 em ponto tenho que estar em frente à empresa. Antes da pandemia, às 11h30 eu já estava de novo na portaria para levá-los para o almoço, agora eles pedem comida por delivery. Essa mudança acrescentou algumas horas na minha rotina, o que me permite voltar para casa e ainda aproveito para caprichar na higienização da van.
A limpeza do carro é uma coisa que hoje tem prioridade no meu dia. Quando o pessoal entra, pela manhã, ela já está higienizada, pois no término de cada dia eu mesmo dou uma geral, limpo diariamente o assoalho, os cintos, os bancos, o corrimão, as maçanetas, o volante, o câmbio, e cada compartimento. Antes da epidemia eu já fazia isso, mas agora uso produtos mais eficazes, como álcool em gel.
Quase não se conversa sobre a pandemia durante as viagens.
Não sei se pelo sono, logo cedo, ou pelo cansaço no caminho de volta, ou talvez por não aguentarem mais falar no assunto. E também porque o ambiente anda meio triste, sei lá, cada um fica mais na sua.
Quando os ponteiros batem 17h50 inicio o caminho de volta, retornando cada passageiro de volta para casa.
Quando chego na minha casa, por volta das 20h, minha esposa Luciene já está a minha espera, me pedindo para que tire toda a roupa do trabalho e vá direto lavar as mãos ou de preferência direto para o banho. Não posso nem imaginar entrar dentro de casa com os sapatos que usei na rua. Já existia uma neura da limpeza, que agora está triplicada. Mas não julgo, amo o cuidado que ela tem comigo. Estamos o tempo todo alertando o Lucas, de 20 anos, filho da Lu e meu enteado, para se prevenir contra a doença.
Diante das circunstâncias tão complicadas, acho que estou numa condição até boa. Lá na empresa pelo menos três linhas foram suspensas e não houve condições de manter os funcionários em casa de quarentena. Um recebeu férias adiantadas para não ser demitido, outro foi dispensado e a previsão era de que mais um ou dois funcionários também fossem desligados, o que ainda não sei se aconteceu.
É importante continuar ativo e cumprindo a minha parte, pois já fiquei dois anos e meio afastado. Minha esposa é autônoma e trabalha como manicure em um salão de beleza que está seguindo as indicações médicas para ficarem em casa. Portanto, ela depende do trabalho suado para conseguir o dinheiro que nos ajuda nas contas de casa. Ela não sai mais, se eu perdesse o emprego estaríamos em uma situação muito delicada.
Meus pais sempre me apoiaram em relação à profissão que escolhi seguir. Todos os domingos, eu e minha esposa costumávamos almoçar na casa dos meus pais, mas como estão na faixa etária de risco, temos evitado ir lá. Era a única coisa que eu gostava de manter aos finais de semana, já que trabalho de segunda a sábado e não tenho muito tempo ou energia para outras atividades.
Por Lucas Ferreira || Vinicius Costa || Maria Anielle
Comments